Transparência e competência na privatização da TAP

A privatização da TAP não satisfaz exigências legais e cívicas de transparência e sofre com manifestações de incompetência do Governo.

O decreto-lei que formaliza a privatização da TAP é aprovado em 13 de Novembro de 2014 e publicado a 24 de Dezembro. A sua leitura põe em evidência cinco fragilidades a exigir escrutínio público.

1.ª) O Governo quer “reforçar a absoluta transparência e concorrência” na privatização da TAP e disponibiliza ao Tribunal de Contas “todos os elementos informativos respeitantes aos procedimentos adoptados”. Na verdade, o Governo menospreza a comissão de acompanhamento criada em Setembro de 2011 pela Lei-Quadro das Privatizações.

É a esta comissão que incumbe “apoiar tecnicamente o processo de privatização, de modo a garantir a plena observância dos princípios da transparência, do rigor, da isenção, da imparcialidade e da melhor defesa do interesse público”. Mais, compete à comissão “fiscalizar a estrita observância dos princípios e regras consagrados na lei, bem como da rigorosa transparência do processo”.

A experiência de 2012 faz recear o pior. Entre publicação do decreto-lei e nomeação formal da comissão decorrem 90 dias, e a decisão do Conselho de Ministros é tomada 24 horas depois da nomeação. Em 2012, a política do Governo é não permitir a fiscalização da privatização da TAP pela Comissão. Em 2014, a comissão devia ter começado a trabalhar com a publicação do decreto-lei e fiscalizar a elaboração do caderno de encargos.

2.ª) A opção por venda directa a investidor de referência implica que este apresente um projecto estratégico para a TAP e sua expressão em medidas vinculativas. Este projecto é decisivo na escolha do investidor, mas o decreto-lei apenas exige que preveja “crescimento da TAP” e “crescimento e desenvolvimento da economia nacional”. Em matéria de orientações estratégicas da privatização da TAP, o Governo limita-se a referências vagas no decreto-lei e declarações coloquiais do ministro da Economia, contrariadas aqui e ali pelas do secretário de Estado dos Transportes.

A orientação oficial justifica a privatização como “única via” para assegurar a recapitalização, “condição essencial para que a empresa possa prosseguir o seu esforço de investimento”.

A realidade à qual o Governo quer escapar é simples: i) a TAP carece de reestruturação profunda de que a capitalização é um instrumento entre outros; ii) ninguém capitaliza uma empresa com problemas sem a reestruturar; iii) sem reestruturação privada ou pública, a TAP caminha para falência mais ou menos desordenada. Só a ministra das Finanças reconhece a realidade: “A TAP ou é privatizada ou está condenada a desaparecer”.

Esta é a realidade que o projecto estratégico dos candidatos não pode ignorar. A ausência de orientações estratégicas nacionais da privatização da TAP impede o alinhamento dos projectos candidatos e priva o Governo de base objectiva para escolher o melhor.

3.ª) Em 2012, há critérios diferentes para avaliar as intenções de investimento e escolher o investidor. A comissão de acompanhamento considera que, “se tivesse sido necessário aplicá-los, dificilmente seria possível um controlo objectivo da sua aplicação” – não foi por haver só um candidato. Em 2014 os critérios são cópia e cola dos que em 2012 avaliam as intenções e volta a ser difícil o “controlo objectivo da sua aplicação”.

4.ª) O decreto-lei reconhece a “impossibilidade” de o accionista Estado assumir a recapitalização da TAP. Em 5 de Dezembro, no Parlamento, o ministro da Economia insiste na impossibilidade, que dias depois já é apenas opção política. O secretário de Estado dos Transportes i) refere que a União Europeia impõe que a capitalização pública implique, entre outros, “diminuição de rotas e despedimento de pessoas”; ii) reconhece ser a defesa do serviço da TAP por inteiro que “nos impede de olhar para esta hipótese” e por isso “acreditamos que é impossível injectar dinheiro na TAP”.

O secretário de Estado parece sugerir que a reestruturação da TAP por accionista privado não implica despedimentos e omite que, se a privatização falhar, temos capitalização pública ou falência mais ou menos desordenada.

5.ª) O decreto-lei apenas refere “obrigações de serviço público que incumbam à TAP”. Na prática, são ligações entre o continente e Açores, actualmente em curso de liberalização. Para além desta realidade comezinha, todo o discurso político sobre serviço público é mera ilusão.

Logo no dia seguinte à aprovação do decreto-lei, o ministro da Economia afirma: "Em qualquer caso, serão sempre garantidas obrigações de serviço público”. Pior, acrescenta que “o futuro accionista da TAP tem que garantir” voos para Guiné, Açores, Madeira e comunidades lusófonas. O ministro vai mais longe e assegura que a obrigação de serviço público "tem que ser sempre uma garantia e até uma condição para que a TAP possa ser privatizada a 100% algum dia". Esta afirmação visa tranquilizar os portugueses, mas apenas os ilude, porque não tem tradução legal e em mercado aberto só a competitividade da TAP pode garantir ligações aéreas.

Em conclusão, a privatização da TAP não satisfaz exigências legais e cívicas de transparência e sofre com manifestações de incompetência do Governo. Nada disto é original em Portugal, mas a importância da privatização da TAP não permite complacência. É isto que está em causa.

Sérgio Palma Brito, analista sénior de turismo, sergiopalmabrito.blogspot.pt

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