Traga a sua família… mas primeiro circule na Europa

Paradigmático será o caso noticiado pela BBC News de Sarah Pitard, uma estudante norte-americana, a residir no Reino Unido há quatro anos, que casou com um cidadão britânico, mas viu recusado o seu pedido de renovação do visto. Dado o risco de ser expulsa durante dez anos, se não abandonasse o país em 48 horas, Sarah e o marido apanharam o Eurostar para Paris, com o objetivo de “circularem” na União, antes de regressarem a casa. De facto, segundo as regras da União, só os cidadãos europeus que tiverem circulado na União, trabalhando, por exemplo, num Estado diferente do da sua nacionalidade, é que podem ser acompanhados pela respetiva família, com nacionalidade de um terceiro país. Significa isto que um britânico, casado com uma norte-americana, a trabalhar em Paris, terá direito a ser acompanhado, em território francês, pelo seu cônjuge, que não tem nacionalidade de um dos 28 Estados que fazem parte da União. Todavia, se o mesmo britânico nunca tiver saído do Reino Unido, não poderá invocar tal direito.

Questão essencial é, pois, saber em que é que se traduz a expressão “circular na União”. Visitar Vigo, ao fim-de-semana, durante vários anos seguidos, preenche o requisito? Circulou na União o cidadão com nacionalidade portuguesa que morava em Viana de Castelo e se deslocava todos os dias para trabalhar em Vigo? Verifica-se tal condição no caso de o cidadão europeu ter residido legalmente três meses em Vigo e regressado entretanto a Portugal? O Tribunal de Justiça teve oportunidade de responder recentemente a algumas destas questões nos casos O., B., S. e G., contra o ministro da Imigração Holandês. Nesses processos, considerou o tribunal que circularam na União quer o cidadão que sempre residiu no Estado da nacionalidade, mas trabalhava regularmente noutro Estado, quer o cidadão que regressou ao Estado da nacionalidade, depois de residir noutro Estado, desde que a residência fosse efectiva no Estado de acolhimento, por um período sempre superior a três meses, permitindo-lhe consolidar a vida em família nesse Estado.

Apesar da aparente simplicidade dos critérios fixados, a verdade é que nem sempre será fácil o tribunal nacional decidir se o cidadão, que se deslocou para outro Estado, visa efetivamente consolidar aí a vida familiar, ou se a sua residência é suficientemente efetiva. Acresce que a solução fixada acaba por ter um efeito discriminatório, difícil de aceitar, sobre os cidadãos europeus estáticos, isto é, que nunca saíram do Estado da nacionalidade. Urge, por isso, repensar algumas das soluções estabelecidas para que os cidadãos europeus possam usufruir plenamente dos seus direitos.

Docente da Escola de Direito da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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