O futuro dá dor de cabeça

O que dizem 11 adolescentes sobre alguns dos resultados do último grande estudo sobre a adolescência em Portugal? Falámos com alguns dos Dream Teens — um novo projecto onde os adolescentes são encarados como consultores de saúde.

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O projecto Dream Teens pretende essencialmente “ouvir a voz dos jovens” e dá-la a conhecer Nuno Ferreira Santos

Foi há uma semana: um grande estudo sobre os adolescentes portugueses trouxe algumas notícias preocupantes. Há mais jovens (um em cada cinco) a provocarem lesões a si próprios para lidar com sentimentos negativos. Há mais a queixarem-se de sintomas frequentes de mal-estar, de dores de cabeça (36%), a nervosismo (52,5%). Também há mais a não fumar e a não beber álcool regularmente, o que é bom. Mas cresceu o grupo dos que não se sentem lá muito felizes — 5,5% dizem que quase sempre se sentem tão tristes que até parece que não aguentam (eram 3,8% em 2010).

É fácil perceber a evolução, para o bem e para o mal, dos diferentes indicadores, porque este mesmo estudo, feito a partir de mais de 6000 inquéritos, é repetido, em moldes semelhantes, de quatro em quatro anos. Como se explica o que piorou? Não são só os investigadores que fizeram o estudo que querem agora perceber melhor as tendências detectadas. Um grupo de 70 adolescentes vai, em 2015, debruçar-se sobre este relatório chamado A Saúde dos Adolescentes Portugueses.

“A agitação escolar dos testes, exames, provas orais, trabalhos, horários, entre outros factores, criam uma aura de agitação e stress, para a qual não estamos mentalmente preparados. E, em alguns casos, quando se chega a casa, ainda existem problemas, como discussões entre os pais.” Carolina Diogo, 17 anos

Os jovens vão analisar os dados recolhidos e produzir recomendações. Fazem todos parte de um projecto chamado Dream Teens — criado este ano pela associação nacional de promoção da saúde dos jovens, Aventura Social, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian e a Sociedade de Psicologia da Saúde.

Têm entre 12 e 19 anos, estudam em diferentes pontos do país, debatem muito pela Internet. O projecto Dream Teens pretende essencialmente “ouvir a voz dos jovens” e dá-la a conhecer. Falámos com alguns deles para fazerem para o PÚBLICO uma primeira análise dos dados conhecidos na semana passada. As palavras “stress” e “ansiedade” são bastante repetidas. A “crise” também lá está.

“A crise económica tem trazido muitas dificuldades às famílias em que se integram os jovens, que, já antes de entrar no ensino superior, decidem que vão emigrar para conseguirem o emprego que querem. A insegurança em relação ao futuro provoca nos adolescentes um profundo desalento e um estado de ansiedade.” Manuel Magalhães, 19 anos

“As famílias, pequenas ou numerosas, começaram a sentir uma instabilidade maior devido à recessão que deixou pais no desemprego, criando mal-estar em casa, um aumento de discussões entre casais, uma diminuição de atenção para com os filhos (...). Precisamos de apoio e não de discussões.” Daniela Guilherme, 17 anos

Fizemos algumas perguntas: como acham que se explica o aumento do mal-estar revelado no estudo conduzido pela equipa da Aventura Social? Qual a dimensão das chamadas “provocações na escola”? — 34% dos 6000 jovens inquiridos para o A Saúde dos Adolescentes Portugueses disseram que foram provocados na escola mais do que uma vez por semana nos últimos meses. O que deve mudar na educação sexual? — há quatro anos 95,2% dos adolescentes que já tinham tido relações diziam ter usado preservativo na última vez em que tinham estado com alguém, contra 70,4% agora, o que os expões a infecções como o VIH/Sida.

Comece-se pelas respostas ao primeiro tópico. O mal-estar é qualquer coisa que os adolescentes associam ao stress, como já se disse, e à ansiedade que o futuro suscita.

“Penso muitas vezes se os resultados escolares que obtenho e a minha personalidade serão suficientes para me assegurarem uma vida próspera e tal preocupação ocupa os meus pensamentos regularmente (...) Problemas em casa também me põem nervoso com o futuro dos meus pais e com a relação que tenho com ambos. Apesar de estar habituado, de vez em quando sinto que fico mais triste e deprimido.” André Sousa, 17  anos

“O futuro assusta-nos, mete-nos em constante dor de cabeça.” Vanessa Reis, 17 anos

É certo, dizem, que isto de ser adolescente já é, por si só, uma coisa difícil. Há a questão das “grandes alterações hormonais”, explica uma das "dreamers". Há o problema do “pouco descanso” que não ajuda a estar em forma, acrescenta outra — é que, diz, o tempo nunca parece ser demais para gastar nas redes sociais. E, por fim, nesta idade dá-se “demasiada importância às aparências e às modas”, o que é uma pressão.

A generalidade dos adolescentes passam por isto sem mazelas. Mas alguns não conseguem.

Depois de um encontro nacional, em Lisboa, nos dias 21 e 22 de Novembro, cerca de 70 Dream Teens — os “dreamers” como alguns se auto-intitulam — entregaram pessoalmente ao secretário de Estado da Saúde, Fernando Leal da Costa, um conjunto de recomendações para melhorar a saúde dos adolescentes em 2015.

Recomendação n.º 1: que se faça “uma campanha de sensibilização, a nível nacional, nas escolas e nos meios de comunicação social”, sobre as doenças mentais e suas consequências. “Há um estigma sobre este tipo de doenças e é importante educar as pessoas”, escreveram no documento.

Ao PÚBLICO levantam hipóteses sobre o que estará por trás, por exemplo, do fenómeno da auto-lesão que o relatório da semana passada pôs em destaque ao registar um aumento de cerca de 5 pontos percentuais do grupo dos que dizem que a praticam.

“Há toda uma panóplia de estímulos que pode resultar na decisão de pegar num objecto cortante e cortar o nosso corpo. Trata-se mesmo de um estado de tristeza, desespero e falta de capacidade para lidar com as emoções. Muitas vezes os jovens não pedem ajuda porque têm vergonha de a pedir, ou então medo das consequências (consultas, conhecimento da família/amigos, tratamentos), ou pensam que não vai dar em nada, e que permanecerão assim para o resto das suas vidas.” Carolina Pia, 18 anos

“[Os jovens que se magoam a eles próprios] não procuram ajuda por não haver ninguém que os ame e lhes dê total liberdade de falar e desabafar, sem julgar ou zangar! Actualmente, são muitos os que julgam e poucos os que se colocam ao lado e ajudam.” Joana Lourenço, 16 anos

“Estes adolescentes devem sentir que são uns fracos, não têm nada de bom para a sociedade e, como seres inferiores que se acham, merecem sofrer em vez de procurarem ajuda (...). Muitas das vezes, e por casos que já tive e tenho conhecimento, estes jovens não procuram ajuda pois, como não confiam neles próprios, também não confiam nem são capazes de confiar em alguém." Diogo Santos, 17 anos

Depois de entregarem em mãos o documento, ficou prometido pelo secretário de Estado Fernando Leal da Costa um novo encontro com os “dreamers”, conta Margarida Gaspar de Matos, a coordenadora da equipa da Aventura Social que elaborou o A Saúde dos Adolescentes Portugueses (algo que tem repetido de quatro em quatro anos, no âmbito do estudo da Organização Mundial de Saúde, o Health Behaviour in School-aged Children).

As “provocações na escola” é outra questão destacada no relatório. Um terço dos adolescentes inquiridos dizem que foram provocados, nos últimos dois meses, em média, uma vez por semana, e 5%, várias vezes por semana. Por que razão acham os “dreamers” que isto acontece e como se resolve?

“Normalmente a pessoa que provoca tem falta de atenção da família, o que vai fazer com que ‘descarregue’ a sua frustração em cima de pessoas mais solitárias ou até mesmo pessoas que não se vestem de acordo com as tendências ou que são magras, gordas, baixas ou até mesmo ‘nerd’. Sim já presenciei várias vezes algumas situações assim e muitas delas foram esquecidas pelos adultos.” Cristiana Beltrão, 16 anos

“Sim, é frequente na minha escola, apesar de que se tenta sempre solucionar rapidamente, aplicando sanções aos agressores tais como trabalhos escolares, trabalhos comunitários e, em casos extremos, suspensões!! “ Diogo Santos, 17

Entre as recomendações que os Dream Teens entregaram ao Governo, há também algumas surpreendentes. “Limitar a Internet em locais públicos para favorecer as relações interpessoais”, é uma delas.

“Considero algo preocupante a quantidade de horas que cada vez mais jovens passam em frente das novas tecnologias. Há tanto na rua por descobrir, tanta forma de passarmos o tempo e de nos divertirmos.” Sara Fialho, 17 anos

Nas suas recomendações para 2015, o “dreamers” também sublinham a importância de “manter a Educação Sexual como uma área prioritária em meio escolar, adaptada às idades dos alunos, assegurando a informação e a formação de professores e pais”.

O estudo A Saúde dos Adolescentes Portugueses mostra que em 2014 são menos os que iniciaram a sua vida sexual: 16,1% disseram que já tinham tido relações; há quatro anos a percentagem era de 21,8%. Contudo, há quatro anos 95,2% dos adolescentes que já tinham tido relações diziam ter usado preservativo na última vez em que tinham estado com alguém, contra 70,4% agora. Margarida Matos considera “alarmante” este resultado. O que dizem “teens”?

“Os jovens estão a iniciar a sua vida sexual mais tarde porque existe uma diminuição da pressão social, sendo que a escolha de iniciar a vida sexual mais tarde tem agora uma maior aceitação entre os jovens. [Já] a diminuição do uso do preservativo está a ocorrer devido ao aumento no número de jovens que, infelizmente, encaram os tratamentos e os medicamentos para o VIH como uma razão para não se preocuparem em usar os métodos contraceptivos.” Manuel Magalhães, 19 anos

“A sexualidade é fracamente abordada nas escolas, pelo menos pela minha experiência. O assunto é referido duas ou três vezes por ano no 3.º ciclo e talvez uma no secundário, muito aquém do que deveria ser na realidade, ficando muitas questões sem resposta. O tema continuará a ser um tabu enquanto os adultos continuarem a ficar envergonhados e com poucas palavras quando explicam certas coisas aos mais novos e enquanto piadas de mau gosto, que por sua vez levam a reforçar preconceitos, continuarem a serem ditas entre os jovens, porque ouviram dos pais ou da televisão.” André Sousa, 17 anos

Outro dos dados que preocupou Margarida Matos foi o facto de cerca de 18% dos adolescentes que já tiveram relações sexuais terem dito que preferiam ter iniciado a sua vida sexual mais tarde; 5,2% disseram que na sua primeira vez, não queriam na realidade ter tido relações. Isto leva a investigadora a defender que a educação sexual saia do âmbito exclusivo da prevenção do risco sexual e passe “a abordar a sexualidade em termos de competências pessoais, de relações interpessoais, de equidade de género e de direitos humanos”. Os jovens concordam.

“Muitas das vezes, a Educação Sexual nas escolas é um pouco dada pela rama e aborda apenas os assuntos superficiais como a morfologia do corpo, os métodos contraceptivos e infecções sexualmente transmissíveis, deixando a parte emocional e sentimental (também faz parte da sexualidade dos indivíduos) esquecida. Esta devia ter um grande ênfase e [devia esclarecer-se] alguns tabus relativamente a, por exemplo, aceitação do próprio corpo e orientação sexual.” Joana Lourenço, 16 anos

Se há tema que suscita consenso entre os jovens que responderam ao PÚBLICO é este. É preciso mais e melhor Educação Sexual, porque, como remata Joana Lourenço, cada um tem o seu tempo e esse tempo deve ser valorizado e acompanhado.

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