Wishful thinking?

A expressão idiomática inglesa wishful thinking, não tendo uma tradução directa para a língua portuguesa, exprime a ideia de alguém que toma os desejos por realidades e toma decisões ou segue raciocínios, baseados nesses desejos em vez de os suportar em factos ou na racionalidade.

Vem isto a propósito do Orçamento de Estado para 2015 (OE 2015), o qual contempla, segundo alguns, previsões tão irrealistas que só podem ser explicadas por um “sentimento” de wishful thinking. Crente nas palavras de Confúcio, segundo o qual “aquele que não prevê as coisas longínquas expõe-se a desgraças próximas", importa perceber, a essa luz, se existe algum fundamento para as referidas críticas.

De acordo com o OE para 2015, as receitas com contribuições e quotizações do sistema previdencial deverão atingir em 2015 os 14.337 milhões de euros, ou seja, mais 4,1% do que os 13.767 milhões de euros previstos para 2014. Serão, no entanto, estes números razoáveis?

Para responder a esta questão importa, antes de mais, tentar perceber se a estimativa de receita para 2014 é credível. Na realidade, admitindo que o crescimento das receitas do sistema apresenta um comportamento, até ao final deste ano, idêntico ao observado nos nove primeiros meses (3,32%) e se tivermos em consideração que a receita total registada em 2013 se situou nos 13.182 milhões de euros (excluindo os 232 milhões de euros de perdão fiscal), facilmente se conclui que os 13.767 milhões de euros previstos deverão ser, na realidade, 13.620 milhões de euros.

Poderemos, no entanto, utilizar este último valor como base aceitável para se estimar as receitas de 2015? Julgo que não.

Com efeito, em 2015, o Estado não poderá contar com cerca de 297 milhões de euros arrecadados em 2014, uma vez que perderá a quase totalidade das receitas com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) e a totalidade das receitas com as contribuições de 5% e 6%, respectivamente, sobre as prestações de doença e desemprego. Daqui resulta que a base de partida para a estimativa de 2015 não poderá ser 13.767 milhões de euros, nem 13.620 milhões de euros, mas sim 13.323 milhões de euros.

Isto significa, em rigor, que a receita terá de crescer em 2015 cerca de 7,6% face a 2014 para que as metas orçamentais sejam atingidas. Será isto possível?

De acordo com as projecções do OE para 2015, o emprego deverá subir cerca de 1,4% em 2014 e 1% em 2015, ou seja, por esta via os ganhos nas receitas com contribuições e quotizações serão menores em 2015 do que o previsto para 2014. Por outro lado, não é expectável que a eficácia na “máquina” administrativa na recuperação de dívidas aumente no próximo ano, uma vez que as actuais insuficiências ao nível dos recursos humanos e sistemas informáticos pré-anunciam o colapso do sistema.  

Em face disso, é bastante provável que as receitas com contribuições e quotizações tenham em 2015, na melhor das hipóteses, um comportamento equivalente ao registado em 2014, o que significa, se utilizarmos como proxy o crescimento observado nos primeiros nove meses deste ano (2,8%, excluindo a CES e as contribuições com doença e desemprego), que a receita em 2015 deverá situar-se nos 13.697 milhões de euros, ou seja, cerca de 640 milhões de euros abaixo dos 14.337 milhões de euros previstos no OE para 2015, traduzindo um desvio nas contas públicas de quase 0,37% do PIB.   

Otto Von Bismarck afirmava que “os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”. Julgo que perante estes dados, se deveria fazer o seguinte ajuste à máxima bismarckiana: “os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas, as leis …… e as previsões”.

Professor da Universidade Lusíada e antigo vice-presidente do Instituto da Segurança Social

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