Questionada origem geográfica de inovação tecnológica da Idade da Pedra

Nova técnica de fabrico de ferramentas não terá vindo de África para Europa com as migrações humanas, conclui estudo.

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Em cima, biface e lascas de biface; em baixo, pedra e lasca produzidas com a tecnologia de Levallois Daniel Adler

A análise de objectos de fabrico humano com 325 mil anos de idade sugere que um tipo de ferramentas de pedra que se pensava ter sido inventado em África afinal poderá também ter sido desenvolvido, de uma forma independente, na Europa.

Daniel Adler, da Universidade do Connecticut (EUA) e colegas estudaram em pormenor milhares de utensílios de pedra vindos do local de Nor Geghi, no Cáucaso arménio. E num artigo publicado quinta-feira pela revista Science, concluem que os seus resultados põem em causa a cronologia da inovação tecnológica humana.  

Há uns 300 mil anos, os utensílios bifaces (pedras lascadas de duas faces) foram substituídos, um pouco por todo o lado, por utensílios feitos com um método mais evoluído, dito de Levallois. Neste último método, tanto a pedra inicial como as lascas (cuja forma era pré-determinada por quem fabricava o objecto) eram utilizadas para fabricar ferramentas. Pelo contrário, na tecnologia biface, as lascas, mais pequenas e inutilizáveis, eram deitadas fora, explica a universidade norte-americana em comunicado. Apenas a pedra inicial servia para fabricar ferramentas tais como machados.

A hipótese mais aceite é que a tecnologia de Levallois terá sido inventada em África e só mais tarde espalhada para a Eurásia pelas migrações humanas. Mas esta hipótese, escrevem os autores na Science, “implica um surgimento repentino da tecnologia de Levallois nos locais situados fora de África” e, ao mesmo tempo, um abandono rápido e definitivo da tecnologia dos bifaces.

Ora, naquele local da Arménia, a equipa de Adler descobriu, pelo contrário, uma coexistência de objectos fabricados com ambos os tipos de tecnologias. “Se eu mostrasse os objectos a um arqueólogo, ele começaria imediatamente a classificá-los em grupos cronologicamente distintos”, salienta Adler.

Porém, quando os autores estudaram e dataram os objectos cuidadosamente, concluíram que a variabilidade tecnológica observada em Nor Geghi não provinha de grupos diferentes de humanos primitivos cujas tradições diferentes de fabrico de ferramentas se sobrepuseram num mesmo sítio.

O que aconteceu, segundo eles, foi que houve uma substituição gradual, pelo mesmo grupo humano, dos utensílios bifaces por lascas, pontas e lâminas produzidas com a tecnologia de Levallois – mais eficiente do ponto de vista do aproveitamento da matéria-prima.

Em particular, esta descoberta constitui, segundo os cientistas, o primeiro indício concreto de que populações locais, europeias, terão desenvolvido a técnica de Levallois a partir de uma técnica biface já existente. E com base na comparação de dados arqueológicos vindos de locais em África, Médio Oriente e Europa, os autores afirmam ainda que a tecnologia de Levallois terá evoluído em paralelo – e não só de forma gradual, mas também intermitente, e em alturas diferentes – em diversas populações a partir de uma técnica ancestral comum de tipo biface.

Os resultados também indicam que a história da inovação tecnológica humana não tem sido bem contada. “A combinação destas diferentes tecnologias num único local sugere que, há cerca de 325 mil anos, as pessoas que habitavam o local já eram inovadoras”, salienta Adler no já referido comunicado.

Os utensílios fabricados com tecnologia de Levallois têm de facto sido utilizados como um indicador dos movimentos migratórios do Paleolítico – uma vez que se pensava que tinham sido inventados apenas em África. Mas agora, como resume a Science, esta maneira de documentar a história das populações humanas e das suas deslocações poderá precisar de uma reavaliação.

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