Europa do património, Europa da cultura

Em meados de Maio deste ano, já com o mandato do Parlamento Europeu a aproximar-se do seu termo, os ministros da Cultura da União Europeia solicitaram à Comissão o prosseguimento da “análise do impacto económico e social do património cultural da União”, bem como a contribuição para o desenvolvimento de uma abordagem estratégica”.

Conscientes das dificuldades que os governos nacionais enfrentam quando se trata de lidar com o património edificado, designadamente por falta de apoios financeiros, da substancial redução dos orçamentos públicos e da diminuição da participação individual e colectiva em actividades culturais, os ministros da Cultura não hesitaram em envolver neste processo de preservação os fundos comunitários, por certo com a convicção de que, numa Europa em crise financeira, social, política e de outros valores, o património é um factor de reforço da identidade e da memória dos povos. Se pensarmos no caso português, perceberemos até que ponto esta questão é central e inadiável, sendo muito o que está seriamente ameaçado.

Um dos últimos relatórios da Comissão Europeia, em final de mandato, diz às associações de salvaguarda da riqueza patrimonial que é tempo de aproveitarem os programas de financiamento activados para o período que vai de 2014 a 2020. Por seu turno, um dos membros da Comissão, a comissária Androulla Vassiliou, responsável pela Educação, Cultura, Multilinguismo e Juventude, afirmou entretanto que “a Europa precisa de maximizar o valor intrínseco, económico e social do património cultural. (...) Em toda a União Europeia, nos monumentos e museu, temos de promover uma abordagem mais virada para o público, utilizando novas técnicas e tecnologias para atrair visitantes e chegar, nomeadamente, aos jovens. Em suma, temos de dar vida à História”. Nenhuma destas afirmações suscita dúvidas nem reservas. Trata-se, afinal, de apoiar aquilo que, pertencendo ao passado e, ao mesmo tempo, à memória intemporal dos povos, pode aproximar de forma pacífica, construtiva e inovadora vários povos e culturas, sem as perigosas divisões entre Norte e Sul e entre Leste e Oeste. Curiosamente, dois monumentos prioritários neste processo de salvaguarda e promoção têm sido o Partenon e a cidade romana de Pompeia, ambos situados em países que sofreram os efeitos devastadores da crise que ainda assola a Europa. No período compreendido entre 2003 e 2007, o património cultural recebeu um apoio quantificado em 3,2 mil milhões de euros provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, com uma verba suplementar de 100 milhões de euros para a investigação relacionada com o património. Para o período 2014-2020 novas verbas estão previstas, oriundas dos Fundos Estruturais e de Investimento, do Programa-Quadro Horizonte e do Programa Europa Criativa.

Apesar destas perspectivas, não pode esquecer-se que o mandato que terminou foi dos mais pobres e desinteressantes em termos de apoio à cultura e à criação artística e que, neste momento, ninguém sabe qual vai ser política de decisão da próxima Comissão Europeia, com equilíbrios e negociações ainda em curso e sem grandes facilidades ou consensos à vista. O que espera o direito de autor e as sociedades de gestão colectiva é uma das interrogações mais preocupantes para os autores de toda a Europa da União.

Apoiar o património e os seus agentes de preservação, organização e promoção pode ser um contributo relevante para que a Europa e os seus cidadãos olhem sem pruridos, e também sem ignorância, a memória milenar de um continente que fez História e que continua a ser, na sua imensa diversidade, um dos pilares mais bem estruturados da Cultura a nível mundial. Mas falta o resto. Falta, por exemplo, a Comissão Europeia criar condições que permitam consubstanciar a ideia de que a vida cultural dos povos e das nações, gerando emprego, riqueza, coesão nacional, desenvolvimento turístico e atractividade internacional, pode e deve ser um factor estratégico para a superação da crise. Enquanto muita coisa parou e foi drasticamente reformulada noutros sectores, a cultura reinventou-se, conquistou novos públicos, gerou novas receitas e assume-se como uma janela de esperança em países que lutam com grandes passivos e incertezas, como é, tristemente, o caso de Portugal.

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

Sugerir correcção
Comentar