Um juiz que “conhece bem a dureza do trabalho agrícola”

Raul Cordeiro foi criado com três irmãs numa pequena aldeia do planalto mirandês

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Adriano Miranda

Quando Raul Cordeiro veio ao mundo, há 53 anos, não morava sequer uma trintena de famílias na pequena aldeia da Granja, no planalto mirandês do distrito de Bragança. Hoje ainda há menos gente. E todos se conhecem. Sobretudo o "doutor" bem disposto que sempre que pode dá um salto às propriedades da família para ver se as oliveiras já têm azeitona e outros afazeres de quem tem apego à terra.

Criado com três irmãs, apesar de não ser filho de gente pobre, Raul Cordeiro “conhece bem a dureza do trabalho agrícola”, descreve um cunhado seu, Alberto Pires, recordando como, aos 17 anos, “já era quase o chefe da família”. Nunca descurou os estudos, é verdade, mas como o pai não tinha carta era ele quem pegava no tractor. “Deram-lhe as rédeas da casa desde muito novo”, relata o familiar. Aos 20 anos já tinha carro, coisa rara por aquelas bandas nessa idade. Uma das irmãs ainda hoje trabalha na terra, enquanto outra se tornou enfermeira e a mais velha se empregou num banco.

Depois dos estudos em Mogadouro e em Bragança rumou à Faculdade de Direito de Coimbra, e quando aterrou no mundo das togas chegou a trabalhar em duas comarcas diferentes ao mesmo tempo, Águeda e Sever do Vouga. Ainda hoje é assim: o trabalho não o assusta, nem o braçal nem aquele que o obriga a ficar horas seguidas a ler resmas de papel. Quando se trata de ir trabalhar a terra, “é o primeiro a sair de casa para puxar a malta”, descreve Alberto Pires, que não se recorda de alguma vez ter visto o cunhado de má cara. Ainda hoje a morar na Granja, Francisco Pinto foi colega de Raul Cordeiro na primária e confirma o seu bom humor: “Está sempre na brincadeira com os amigos.”

Discreto, ainda passou pela advocacia antes de enveredar pela magistratura: estagiou num escritório em Coimbra, cidade onde hoje mora com a mulher, também formada em Direito, e com o filho de 11 anos, com quem gosta de ir aos jogos da Académica. Quando jogam os “grandes”, é pelo Benfica que torce. Dispensa muitas vezes o automóvel, preferindo usar o comboio na viagem entre a cidade dos doutores e o Tribunal de Aveiro, onde está colocado. “Recorro muito a ele para lhe pedir opinião sobre questões jurídicas – e até sobre a administração da comarca”, conta o juiz que dirige a comarca de Aveiro, Paulo Brandão.

Raul Cordeiro pertenceu ao conselho geral da Associação Sindical de Juízes Portugueses e não tem papas na língua sobre as novidades trazidas pelo novo modelo de organização dos tribunais. “O sistema judicial não deve ser visto apenas numa perspectiva de produtividade, como se de uma linha de produção de qualquer unidade fabril se tratasse”, disse em 2009. “Os tribunais são órgãos de soberania onde se administra a justiça em nome do povo, contando especialmente as pessoas e não os números.”

Integridade e determinação são qualidades que os colegas lhe reconhecem. Gosta de actividade física, em especial de nadar e de artes marciais. Defensor da tarimba que os tribunais de competência genérica – sem especialização – proporcionam aos magistrados acabados de formar, ao juiz de Aveiro não choca o encerramento dos tribunais com menor volume de processos: “Para o cidadão comum será preferível ter uma justiça mais eficaz e mais célere do que uma justiça mais próxima”, argumentava em 2010. “Além da melhoria que tem vindo a ocorrer na rede rodoviária e de transportes, as distâncias, nos tempos que correm, combatem-se eficazmente com o recurso às novas tecnologias, como sejam as comunicações electrónicas ou a teleconferência.”

De férias no Algarve este Verão, mal pôs o pé na areia. Ficou agarrado ao computador. Afinal, aproximava-se a data em que teria, com duas colegas, de ditar a sentença de Armando Vara e restantes arguidos do Face Oculta. E Raul Cordeiro, sublinha o cunhado, é daqueles que gosta das "coisas perfeitas no trabalho".

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