Quando a vila de Cascais tinha 200 pessoas

Dois reis definiram a separação com Sintra no século XIV

Uns viviam do mar, outros da terra, numa altura em que por ali se espalhavam pequenas propriedades com cereais, vinhas, pomares, hortas, pastagens e matos, com gado de toda a espécie e caça miúda. Além disso, existiam vários moinhos de água, azenhas e moinhos de vento para a indústria moageira, bem como lagares de vinho e azeite.

Povoada desde o Paleolítico, a região de Cascais, no entanto, é marcada pela sua relação com o mar. São os pescadores que se destacam na pequena aldeia que desponta no final do século XIII, e daqui se ajudará a abastecer a cidade de Lisboa, além de servir como porto de escala. Nessa altura, Cascais dependia administrativamente de Sintra, que recebera a sua carta de Foral logo em 1154, e assim ficaria por cerca de 200 anos.

Em 1364, numa fase de crescimento, os “homens bons” da terra conseguem que D. Pedro aceda aos seus pedidos e, em troca de uma renda anual, ficam “isentos da sujeição de Sintra”, com sua própria jurisdição e “juízes para fazer direito e justiça”. Além disso, os trabalhadores desta região deixavam de ter que trabalhar para os proprietários de Sintra, numa conjuntura de escassez de mão-de-obra, devido aos efeitos da peste.

No entanto, em 1370, já durante o reinado de D. Fernando, a Coroa vê-se na obrigação de confirmar a carta de Foral de 1364 e de a complementar. A vila de Sintra continuava a ser a grande localidade da zona e Cascais surgia em documentos como «lugar» do termo de Sintra.

A carta de Foral de D. Pedro não definia nenhum território que ficasse dependente da nova vila, mostrando assim a insuficiência da decisão régia de 1364. Para Sintra, tudo o que significasse a perda de importância e poder do seu concelho seria de evitar. Se já desde 1364 Cascais era, de jure, independente de Sintra, só passou a sê-lo, de facto, em 1370.

D. Fernando resolve a situação, determinando a separação do castelo e “lugar” de Cascais de qualquer sujeição a Sintra, definindo uma área de cerca de 100 quilómetros quadrados (semelhante à do actual concelho) que ficaria dependente da vila de Cascais, e doando o castelo e o território a Gomes de Avelar. Em termos de jurisdição, permaneciam as directrizes de D. Pedro.

Com o diploma de D. Fernando, Cascais edifica de facto a sua autonomia, mas uma autonomia precária, já que, como referiu Oliveira Marques, este documento “integrou na realidade a vila e o seu território num feudo concedido ao primeiro Senhor, Gomes Lourenço do Avelar, um nobre influente na época e valido do monarca”, e o seu senhorio seria passado hereditariamente para os seus descendentes.

A vila era protegida por um pequeno castelo, que já existia em 1370 (não resistiu ao terramoto de 1755), e sabe-se que teve os seus paços do concelho, onde chegou a estar hospedado D. Fernando. Para além das casas de habitação, tinha ainda uma igreja.

Ao longo da sua existência, foi sofrendo vários ataques. Logo em 1373, por exemplo, o senhor de Cascais viu-se perante a armada de Castela que ia atacar a cidade de Lisboa. As forças de Castela, muito superiores, quase não encontraram resistência e, como relatou Fernão Lopes na Crónica de D. Fernando, “prenderam quem quiseram” e roubaram tudo o que puderam. Só não levaram a carta de Foral.

 

Bibliografia sobre o tema

AAVV. Chancelaria de D. Pedro I, Livro único, documento nº 913, edição do Instituto Nacional de Investigação Cientifica, Lisboa, 1984.

MARQUES, A. H. de Oliveira, Para a História do Concelho de Cascais na Idade Média, Cascais, Boletim Cultural do Município nº 7 - CMC, 1988.

CASTELO-BRANCO, Fernando. Cascais no início do seu municipalismo, Câmara Municipal de Cascais, 1972.

REIS, António Matos, Origens dos Municípios de Lisboa, Lisboa, Livros Horizonte, 1991.

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