Surto de ébola é fenómeno “extraordinário” e vai obrigar a meses de vigilância internacional

Organização Mundial da Saúde declarou nesta sexta-feira que o surto do vírus de ébola, na África Ocidental, é uma “emergência de saúde pública de âmbito internacional”. Nigéria é terceiro país a declarar o estado de emergência, depois da Serra Leoa e da Libéria.

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Voluntários dos Médicos Sem Fronteiras a transportar corpos de pessoas infectadas pelo ébola na Serra Leoa Reuters

A escalada durou cerca de oito meses até nesta sexta-feira passar, oficialmente, a ser um problema mundial. Dezembro de 2013 marcou o primeiro capítulo do maior surto do vírus do ébola de sempre. Iniciado na Guiné-Conacri, na região de fronteira com a Libéria e a Serra Leoa, só no final de Março deste ano é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu a notificação dos primeiros casos. Mas o vírus depressa passou para os países vizinhos. Ainda em Março chegou à Libéria e em Maio à Serra Leoa, tornando único este surto.

A África Ocidental nunca tinha lidado com o ébola e este vírus, quando no passado surgia no centro de África, ficava contido nas aldeias e não atingia as cidades como agora. Infelizmente, os meses seguiram-se e a epidemia não abrandou. Foram chegando relatos sobre a falta de condições dos países para lutarem contra a doença e a desinformação das populações sobre o ébola, que causa uma febre hemorrágica, cuja mortalidade pode chegar a 90% dos doentes e não tem cura. No final de Julho, quando a Nigéria já tinha importado a doença, havia mais de 700 mortos, incluindo vários profissionais de saúde. O surto estava fora de controlo.

Nesta sexta-feira, após a reunião do comité de emergência para avaliar a situação, a OMS declarou que o surto do ébola é uma “emergência de saúde pública de âmbito internacional”, classificando este surto como um “fenómeno extraordinário” e requerendo uma posição coordenada por parte dos 194 Estados-membros. A última actualização da OMS mostrava que, a 5 e a 6 de Agosto, apareceram 68 novos casos e 29 mortes, totalizando uma estimativa de 1779 pessoas infectadas e 961 mortos. O Presidente da Nigéria, o país mais populoso de África, que já se estima ter 13 casos de infecção e dois mortos, decretou nesta sexta-feira estado de emergência, juntando-se à Serra Leoa e à Libéria.  

“A declaração alerta o mundo para a necessidade de uma grande vigilância de possíveis casos. Mas, de modo nenhum, implica que todos os países ou até que muitos países vão ter ébola”, explicou nesta sexta-feira Margaret Chan, directora-geral da OMS, numa conferência de imprensa.

No entanto, “o surto está a mover-se mais rapidamente do que podemos controlar”, alertou ainda a responsável, pedindo a solidariedade internacional. “Os países afectados até agora não têm simplesmente capacidade de lidar sozinhos com um surto deste tamanho e complexidade. A nossa segurança sanitária colectiva depende do apoio às operações de contenção nestes países. Exorto a comunidade internacional a dar o apoio devido à necessidade mais urgente.”

Para já, não há nenhuma proibição de viagens ou comércio para os quatro países afectados pelo ébola. Mas de acordo com a OMS, estes países estão obrigados a avaliar o estado de saúde de qualquer pessoa que queira viajar. Alguém com sintomas suspeitos, “não deve viajar”, excepto para “uma evacuação médica”, lê-se no comunicado da OMS.

Segundo a organização, os países com o surto devem declarar estado de emergência nacional e activar os planos de emergência. Algumas medidas recomendadas incluem a prevenção e o controlo da infecção, a informação das comunidades sobre a doença, a vigilância dos casos ou a criação de laboratórios de diagnóstico. Nas zonas de transmissão mais intensas, como na região fronteiriça dos três países, “a quarentena poderá ser usada”.

“Há imensa mobilidade” entre as fronteiras nestes países, disse ao PÚBLICO a médica Maria João Martins, consultora técnica para o comité do ébola criado recentemente pela OMS, e especialista na avaliação dos pontos de entrada das doenças nos países, como os aeroportos. “Neste momento, os serviços de saúde destes países estão ultrapassados pela situação.” Por isso, Maria João Martins defende que é muito difícil prever quando é que vão conseguir estar preparados para combater o vírus. “Esta medida da OMS permite aos países afectados pedirem financiamento e apoio externo”, acrescenta.

Já os países africanos que fazem fronteira com os Estados afectados devem criar com urgência pólos de vigilância para analisarem focos de febre ou mortes por doenças inexplicadas, bem como assegurar que o pessoal médico está treinado para lidar com o ébola e devem estar prontos para colocar equipas a trabalhar caso haja um doente com o vírus. “Vai depender de cada país a capacidade de isolar e diagnosticar uma pessoa e de entrar em contacto e seguir todas as pessoas com quem um doente teve contacto”, explica Maria João Martins.

Domingos Simões Pereira, primeiro-ministro da Guiné-Bissau, que faz fronteira com a Guiné-Conacri, admitiu nesta sexta-feira que era necessário reforçar a vigilância e sensibilizar a população. “É óbvio que quando os países ao nosso redor, como a Guiné-Conacri, a Serra Leoa e outros, já têm níveis de presença desses flagelos, a Guiné-Bissau não pode estar descansada [pensando] que não corre riscos”, disse, citado pela agência Lusa.

O resto do mundo terá de estar preparado para “detectar, investigar e lidar com casos de ébola” e “retirar cidadãos que contraírem a doença” noutros países, lê-se no comunicado. “Estamos preparadíssimos”, diz Maria João Martins, referindo-se a Portugal. Os Estados Unidos e Espanha já receberam cidadãos infectados com o vírus.

A União Europeia anunciou nesta sexta-feira que vai dar oito milhões de euros para lutar contra o surto e instalar um laboratório móvel, provavelmente na Serra Leoa. “Quero assegurar aos cidadãos que os riscos de vermos o ébola atingir o território europeu são extremamente baixos”, referiu Tonio Borg, comissário europeu da Saúde, citado pela agência AFP, explicando que há poucas pessoas a virem dos países africanos afectados.

Além disso, a doença só se torna muito infecciosa quando já está num estado avançado. Os sintomas do ébola só aparecem entre o segundo e o 21º dia após o contágio, com febre, fraqueza e dores. As hemorragias, que vêm depois, resultam do colapso dos órgãos e dos vasos sanguíneos. É aqui que o vírus inunda o sangue e as secreções e pode infectar alguém que entre em contacto com estes fluídos.

No entanto, o ébola é muito mais controlável do que os vírus da gripe, que são transmissíveis pelo ar. Mas é também por essa razão que é difícil fazer cenários de transmissão ou prever o fim do surto.

“As probabilidades são que as coisas vão ficar piores antes de melhorarem”, antevê Keiji Fukuda, responsável pela segurança sanitária da OMS, citado pela Reuters. “Estamos completamente preparados para que o surto esteja num nível alto durante meses.”

Em Novembro, o comité da OMS voltará a reunir-se para reavaliar a situação. Até lá e enquanto durar o surto, Maria João Martins sublinha que os países têm “de ter tudo activado” para o caso do ébola lhes bater à porta.

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