Philip Seymour Hoffman não está aqui

O último filme de Philip Seymour Hoffman é um encontro quase predestinado entre um actor de eleição e o desencanto amargurado dos espiões de John le Carré.

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Há duas questões – uma cinéfila, outra não tanto – que trabalham o espectador atento quando pensa em O Homem Mais Procurado. Uma: o que faz Anton Corbijn, o fotógrafo holandês conhecido por capas e telediscos para U2, Depeche Mode ou Tom Waits, a dirigir uma adaptação de um romance de John le Carré?

Esta é a questão cinéfila e responde-se rapidamente: Corbijn está a provar, talvez a si próprio, que é capaz de se adaptar às exigências de um filme narrativo tradicional, “de estúdio”, sem tombar nas abordagens mais oblíquas que deixaram muita gente à toa com o existencialismo pouco óbvio do anterior O Americano (2010). O fotógrafo holandês sabe emprestar a esta adaptação do escritor britânico a exacta dimensão de desencanto e desilusão que marcaram as melhores versões cinematográficas dos seus livros, mesmo que para o fazer se esconda por trás de uma espécie de “esperanto” visual, sólido mas sem sinais particulares (não soubéssemos que o filme é seu e não o adivinharíamos).

Esse “apagamento” do realizador para melhor servir a história e os actores leva-nos à segunda questão, que para todos os efeitos é a principal para toda a gente: O Homem Mais Procurado é o último filme que Philip Seymour Hoffman completou em vida, pelo que a tentação de o ver como “testamento cinematográfico” é, evidentemente, grande. Igualmente evidentemente, só o tempo nos permitirá tirar a exacta medida do lugar de O Homem Mais Procurado na carreira do actor. Mas não estaremos a ser injustos nem excessivos de confirmarmos que Seymour Hoffman é absolutamente notável no papel de um espião alemão que vê num checheno em busca de redenção a oportunidade perfeita de ele próprio redimir a sua vida e devolver-lhe algum sentido. O seu Günther Bachmann, espião desactualizado, cansado e desencantado na melhor tradição de Le Carré, é um encontro quase predestinado entre actor e escritor; como se a insustentável impossibilidade de “ser feliz” que marcou as grandes interpretações de Seymour Hoffman (de Truman Capote ao Caden Cotard do injustamente desconhecido Sinédoque, Nova Iorque) tivesse sido criada “à medida” para as personagens de Le Carré, e como se todo o peso e toda a tristeza do mundo estivessem sobre os seus ombros.

Anton Corbijn rodeia Seymour Hoffman de outros grandes actores – Willem Dafoe, a sempre demasiado rara Robin Wright, Nina Hoss – mas é ele a “estrela negra” à volta da qual tudo orbita e gira. A sua presença física é aqui quase uma ausência, uma transparência, como se Bachmann “não estivesse ali” e todas as suas acções, que transportam alguns inocentes para o meio de uma história de “guerra suja”, fossem uma desesperada tentativa de “existir”, de ganhar corpo. É ele que ancora e dá sentido a um filme que podia muito bem ter sido “só” mais um filme de espionagem, “só” mais uma adaptação de John Le Carré (mesmo que nem sempre sejam de deitar fora). E não o é, em todos os sentidos que queiramos dar, por causa de Philip Seymour Hoffman.

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