Voltem filmes de domingo à tarde, estão perdoados

Era ao leme do “Sozinho em Casa” ou dos “007” que muita gente juntava a família à tardinha para um serão sem grande qualidade cinematográfica, mas assaz saudoso pelas gargalhadas e momentos de boa disposição. Hoje levam com playbacks e apresentadores de baixo nível

Foto
David/Flickr

No final da década de 50’ – era ainda a televisão uma menina – já Edward Murrow alertava para o caminho perigoso que a caixinha mágica haveria de trilhar no futuro. O célebre jornalista americano pôs a nu a propaganda capitalista de McCarthy e gladiou-se sempre estoicamente contra os conteúdos vazios e manipulativos que assolavam o grande ecrã. Embora a deterioração deste meio fosse sempre fácil de adivinhar (e difícil de aceitar), os receios de Murrow lá se foram profetizando paulatinamente. Hoje em dia o grande exemplo de decadência e lixo televisivo são as tardes de domingo da televisão portuguesa.

Se Edward Murrow fosse vivo e suficientemente estúpido para num domingo à tarde ligar a televisão, concluiria que nem ele estava à espera de algo tão mau. As emissões duram cerca de 6 horas (!) e dividem-se em três actividades principais: discurso pseudo preocupado e feito de 10 em 10 minutos para convencer o espectador a ligar para um número de telefone; momentos de badalhoquice “musical”, onde é proibido cantar ou tocar instrumentos, mas onde há liberdade total para copiar músicas de autores latinos; entrevistas triviais a “pessoas da terra” onde não se aprende rigorosamente nada, ou melhor, aprende-se como não fazer uma entrevista. Bem sei que este formato é barato e permite aos canais obterem boas audiências, mas até que ponto é que um programa destes é melhor do que um filme de domingo à tarde? Estas festas regionais não chegam sequer a ser um retrato fiel dos locais, já que o que interessa é a caça ao ridículo e não mostrar o que há de bonito em cada cidade. Entramos na dimensão do “quanto pior, melhor”. O mais estranho de tudo é o facto de haver gente a ver isto e, ainda pior, a gostar.

É em momentos como este que me auto penitencio por ter criticado no passado os filmes repetidos que davam ao fim-de-semana. O chamado “filme de domingo à tarde” é aquele que tem uma história enfadonha e fácil de acompanhar, tem sempre um final feliz e é transmitido ao domingo à tarde umas trezentas vezes durante um ano civil. Ou seja, é em tudo melhor às 6 horas de verborreia oca que temos actualmente nos canais generalistas. Apesar de repetitivo, o filme de domingo à tarde é uma fórmula vencedora de ensinamentos e é também uma excelente introdução ao cinema para os mais novos. As histórias são fáceis de compreender, mas não deixam de transmitir a cultura de outras realidades e, como são sempre politicamente correctos, também permitem fazer distinções entre o bem e o mal. Era ao leme do “Sozinho em Casa” ou dos “007” que muita gente juntava a família à tardinha para um serão sem grande qualidade cinematográfica, mas assaz saudoso pelas gargalhadas e momentos de boa disposição. Hoje levam com playbacks e apresentadores de baixo nível.

Numa semana em que a RTP2 transmitiu o galardoado “La Vie d’Adèle” e obteve fantásticos resultados de audiência, torna-se difícil compreender este desinvestimento no cinema em prol de entretenimento básico e sem conteúdo. Será que é isto que as pessoas querem ver na televisão? Pelos vistos é, caso contrário não haveria uma aposta tão forte nestes programas. O facto de haver canais temáticos que substituem a oferta cinematográfica dos canais generalistas é um dos motivos para esta falta de aposta no cinema, mas é um falso argumento, pois é impossível a muita gente sustentar um serviço desses. Por isso, voltem filmes de domingo à tarde, estão perdoados.

Sugerir correcção
Comentar