Os portugueses e o generalizador

Antes de mais, esta não é uma crónica para mudar o mundo. Obrigado

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Stefan Wermuth/Reuters

Tenho uma teoria. Acho que, para além da procrastinação, dos mexericos e do desenrascanço, existe uma outra coisa que começa a ser cada vez mais portuguesa: a arte de generalizar. Entenda-se generalizar como o acto de tornar algo particular em algo geral, ou seja, tomar a parte pelo todo. A minha teoria diz-me que vivemos neste momento um paradoxo da generalização, todos a praticam e todos se queixam dela.

É verdade, nós generalizamos tudo. Quando um jogador de futebol joga mal, eu sei que “aquele gajo nunca vai dar nada”. O ensino em Portugal está pela hora da morte, porque tive um professor no secundário que disse um palavrão numa aula de Educação Física. Depois de assistir a um programa daqueles de domingo à tarde da TVI, constato que “a música portuguesa é uma banhada”. Os polícias são negligentes e agressivos e os árbitros são todos ladrões. É mais que óbvio que a praxe devia ser proibida. A partir do momento em que uma praxe corre mal, todas as outras são más, porcas e violentas. Parece-me básico. Tão básico como o facto de o Manoel de Oliveira não saber fazer filmes, uma vez vi um filme dele e apanhei uma seca descomunal. A literatura portuguesa é chata e difícil de compreender, li “Os Lusíadas” no 9º ano, sei bem do que falo. E os políticos? “Todos uma cambada de trafulhas!”. E podia estar nisto durante mais trezentas e quarenta e oito linhas…

Se somos tão assíduos no acto de generalizar e se o fazemos tão bem, não deveria haver queixas quando alguém generaliza algo, correcto? Claro que sim, mas o que sucede é que há sempre alguém que se queixa. Os líderes de opinião são constantemente crucificados porque generalizam tudo. Nas conversas de café a expressão “não podes generalizar” é o pão nosso de cada dia. Até no P3 é possível encontrar comentários referentes à infame generalização. Aliás, lembrei-me agora que o P3 também é um caso de generalização: quando uma crónica não agrada, “o P3 já deu o que tinha a dar”. Fácil e eficaz. É o tal paradoxo da generalização: “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”.

O paradoxo da generalização é como sacudir os tapetes dentro de casa. Dá menos trabalho, mas acaba por ser o adiamento (lá está a procrastinação) do inevitável. Generalizar é acumular pó à frente do verdadeiro problema. Por sua vez ir ao cerne da questão é sacudir o pó para fora de casa, ou seja, agir de forma prática e adequada à situação. Posto isto, posso afirmar que as limpezas não são o nosso forte. Como é óbvio, nem toda gente se irá identificar com esta teoria da generalização. Cada caso é um caso e enumerei situações com as quais nem toda gente se revê. Se calhar até acabei por generalizar um pouco. Se o fiz, peço desculpa, mas foi por ser português.

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