Schröder: um social-democrata com amizades
Gerhard Schröder não gostava que se levantassem dúvidas...
Foi também notícia por ter apoiado a recente actuação da Rússia na Ucrânia. Voltou a ser notícia no passado dia 10 de Julho quando o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) proferiu a sua decisão no caso Axel Springer AG contra a Alemanha.
A história conta-se rapidamente e é cheia de ensinamentos: em Maio de 2005, Schröder, na sequência de uma derrota em eleições regionais, anunciou a convocação de eleições gerais para Setembro desse ano, um ano antes do fim da legislatura. Para o efeito, apresentou uma moção de confiança no Parlamento alemão e deu instruções aos partidos que apoiavam o seu Governo para se absterem, podendo assim ser derrotado e obrigando o Presidente alemão a dissolver o Parlamento e a convocar as desejadas eleições. As eleições tiverem lugar em Setembro de 2005, Schröder foi derrotado, abrindo lugar à subida de Merkel ao poder e em Dezembro foi tornado público oficialmente que iria ser presidente de conselho de administração da Nord Stream AG, um consórcio germano-russo que ia construir o gasoduto que viria a transportar o gás russo para a Europa ocidental. Um consórcio com sede na Suíça e dominado pela famosa sociedade russa Gazprom. O acordo de princípio da construção do gasoduto tinha sido assinado em Abril de 2005, um mês antes da decisão de Schröder de convocar novas eleições e a assinatura do contrato tinha sido em Moscovo, poucos dias antes das eleições, em Setembro de 2005.
Tanto a decisão de convocar novas eleições através de um estratagema parlamentar como o facto de ter ido, quase de imediato, após as eleições, para um rentável lugar – falava-se num milhão de dólares por ano – no conselho de administração de uma empresa que surgira em função dos acordos por si assinados, levantaram grande controvérsia pública na Alemanha.
Em 12 de Dezembro de 2005, o diário Bild publicou na sua primeira página um artigo com o título: “O que ganha ele verdadeiramente com o projecto do gasoduto? Schröder deve revelar o seu salário russo”. O artigo era extenso, ouvia várias opiniões e, entra elas, citava Carl-Ludwig Thiele, vice-presidente do grupo parlamentar do partido liberal (FDP), que afirmava ser necessário levantar a questão: “Schröder queria desfazer-se das suas funções porque lhe tinham proposto lugares lucrativos? Teria razões pessoais quando decidiu convocar eleições antecipadas numa situação politicamente desesperada?”. Uma “suspeita monstruosa”, afirmava o Bild.
Schröder recorreu aos tribunais alemães para proibir o Bild de voltar a publicar as afirmações de Thiele e conseguiu que os tribunais alemães lhe dessem razão. No tribunal de 1.ª instância, porque a suspeita levantada, embora não fosse da prática de nenhum crime, dada a sua gravidade exigiria que Schröder tivesse sido ouvido – o Bild alegava que tentara fazê-lo sem obter resposta – e não havia factos que justificassem suficientemente o levantar de tal suspeita pública. No tribunal de recurso, a censura à actuação do Bild e a justificação para a proibição da publicação das controvertidas declarações apoiaram-se na falta de objectividade e de ponderação do artigo, nomeadamente pelo facto de o jornal não ter referido os aspectos favoráveis a Schröder, nomeadamente a fragilidade do partido após as eleições regionais de Maio de 2005 e a forma como se tinha empenhado na vitória do seu partido nas eleições de Setembro.
Numa perspectiva do cidadão comum, pese embora a sólida argumentação jurídica, os tribunais alemães “fizeram o frete” a Schröder, numa política de deferência com os poderosos que, regularmente, mancha a história do poder judicial.
Mas a empresa Axel Springer AG, proprietária do Bild, não se conformou e queixou-se no TEDH invocando ter sido violado o art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que consagra a liberdade de expressão. E em boa hora o fez, porque a actuação dos tribunais alemães configurava uma verdadeira censura, impedindo para todo o sempre que os alemães pudessem conhecer as dúvidas levantadas pelo deputado liberal.
Para o TEDH, não havendo dúvidas sobre o interesse público da matéria em causa, não se justificava a censura: estava-se perante declarações de um deputado a partir de diversos factos objectivos, não cabendo aos tribunais dizer a forma como um artigo deve ser escrito.
O TEDH não teve, assim, muitas dúvidas: por unanimidade, condenou a Alemanha por violação da liberdade de expressão e a pagar € 41.330 à Axel Springer, AG, pelas despesas que tivera com os diversos processos judiciais. Quanto a Schröder, continua na Nord Stream, AG...