O mantra das “soft skills”

Grosso modo, o estudante português gosta cada vez menos de pensar. Ensinam-no a meter-se em tudo e mais alguma coisa, ensinam-no a fazer um currículo bonito no Word, e até lhe dão conferências de "Responsabilidade Social da Empresa", mas esquecem de lhe ensinar Lógica

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Rafael Marchante/Reuters

Engraçado que quando olho para grande parte dos estudantes portugueses do ensino superior, tenho aquela sensação de sucessivo “copy-paste” de que foi tudo doutrinado com os mesmos “faits divers”, com as mesmas cláusulas “ultra-obrigatórias” para se ser um “trabalhador arco-íris”. Nada contra. Sou Liberal e não gosto de tentar proibir (quase) nada, mas isto é caricato — políticas à parte.

As faculdades, vítimas do “mainstream thinking”, são produtoras de engenheiros/doutores com poucos ou nenhuns traços de diferenciação. Algo que lembra uma linha de produção mecanizada: a pessoa entra, é aconselhada a fazer voluntariado — não que goste de ajudar o próximo, mas porque "fica bem aos olhos do empregador" (quando se calhar nem a louça ajuda a levantar no final das refeições em casa). É encorajada a entrar em "startup projects" (que formam excelentes gestores que serão óptimos a gerir empresas com os fundos da União Europeia), é empurrada, sem critério, para uma das várias três mil e quinhentas organizações de competências transversais — ou "soft skills" — que florescem por estas faculdades fora. É-lhe incutido que o "ex libris" do percurso do estudante é ganhar o concurso X para trabalhar em Agosto ao balcão no BES, sem remuneração ou subsídio de alimentação — porque não esteve sequer para se incomodar a procurar melhor (que ainda existe). Isto, quando nem talvez o nome do Ministro da Economia, ou do líder da oposição, sabe.

Calma: há sempre quem extraia o melhor dessas organizações, e reconheço que existem “Júnior Empresas” (e afins) a ensinar qualquer coisa. Mas, grosso modo, o estudante português gosta cada vez menos de pensar! Ensinam-no a meter-se em tudo e mais alguma coisa, ensinam-no a fazer um currículo bonito no Word, e até lhe dão conferências de "Responsabilidade Social da Empresa", mas esquecem de lhe ensinar Lógica...

Não há mentalidade para melhorar a pessoa. Já ninguém quer fazer profissionais únicos e vencedores, pela diferença das suas características pessoais. Está instaurada a ideia de que, acabando um curso de três anos com média de 13 valores, e andando nuns grupos de “soft skills”, seremos os grandes “chefões” das nossas aldeias, auferindo salários chorudos. Má notícia: o mundo dos "adultos" não funciona assim. Infelizmente, aquele que segue a visão instaurada, nunca pensou "ok, deixa-me lá tentar ganhar uns euros com o pouco que já sei, e começar a ver como funciona isto do mercado".

Salvam-se os professores universitários (e os funcionários ligados à empregabilidade) que ainda reconhecem e recomendam o verdadeiro caminho para o sucesso: estudar e estudar (algo associado, inevitavelmente, à luta pela média), busca de conhecimento extralectivo sobre os temas leccionados e correlacionados, “networking”, e, sobretudo, boas relações com os profissionais que um dia nos poderão empregar. Tenho a felicidade de ainda poder trabalhar com várias pessoas assim, lúcidas e resistentes, num Portugal de plástico e de engodo.

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