O homem das mãos mágicas

Um filme singular, idiossincrático, sobre alguém que tenta lutar contra a miséria do mundo.

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Salvo erro ou omissão, nunca um filme de François Dupeyron chegou às salas portuguesas (embora alguns tenham entrado no circuito de vídeo). E não estaremos a ser injustos se dissermos que Minha Alma por Ti Liberta apenas chega às nossas salas por ser uma produção de Paulo Branco, o que torna ainda mais doloroso o lançamento meio desamparado de um filme singular, idiossincrático, feito com meia dúzia de tostões e o “coração na boca”.

Adaptado de um romance do realizador, é um projecto que Dupeyron acalentou durante bastante tempo sem conseguir montar, articulando de maneira simultaneamente confrontacional e sensível o mal-estar existencial dos tempos que correm. É a história de um homem perdido (assombrosa criação de Grégory Gadebois), um pobre diabo divorciado que vive de biscates na França costeira, num ambiente de classe operária que não anda longe do cinema de Robert Guédiguian (um dos seus regulares, Jean-Pierre Darroussin, anda também por aqui). Neste universo Dupeyron injecta algo de sobrenatural que nos remete, por exemplo, para os questionamentos de Bruno Dumont: Frédi tem um “dom” herdado da mãe, é capaz de curar com as suas mãos, mas sente-se esmagado pela miséria do mundo que o rodeia e recusa-se a exercê-lo.

O que interessa ao realizador não é tanto a dimensão fantástica para a qual o filme parece resvalar a espaços, mas o que ela deixa entrever do humano nestes seres quebrados pela vida, que lutam por uma dignidade que tudo lhes parece negar e que só em comunidade parece conseguir realizar-se. Minha Alma por Ti Liberta instala-se desde o princípio num limbo activamente procurado pelo realizador, dentro e fora da tradição do cinema de autor francês, virando a seu favor a pobreza de meios (o trabalho de câmara à mão e fotografia de Yves Angelo é notável) e entregando o filme de bandeja aos seus actores, que o recompensam admiravelmente. Apesar da sinceridade e da força, não deixa de ser uma obra algo desequilibrada, ocasionalmente um pouco redundante (com uma selecção musical por vezes demasiado omnipresente), mas isso faz também parte da idiossincrasia que sempre colocou Dupeyron num lugar um bocadinho à parte.

 

 

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