A grande ilusão

António Costa decidiu lutar pela liderança do Partido Socialista porque se convenceu que este PS, como os resultados eleitorais têm repetidamente demostrado, faz parte do bloqueio político geral do país que, unindo paradoxalmente Presidente, governo e as várias oposições, sonega à ampla maioria de portugueses que exigem mudança, um instrumento e uma oportunidade credíveis de ruptura com o ciclo de radicalismo politico e económico, que está a desfigurar o país.

 

Julgo que tem razão António Costa. A ideia de que o PS está a liderar um movimento em crescendo, uma dinâmica imparável que se revela em sucessivas “derrotas históricas” infligidas à direita, é uma ilusão e uma fantasia. Na realidade, de “derrota histórica” em “derrota histórica”, do tipo a que temos assistido, arriscamo-nos a que a direita alcance a vitória, histórica ou não, em 2015, o que é totalmente inaceitável em face da situação nacional, e constituiria, nas presentes circunstâncias, um atestado da nulidade política da esquerda socialista.

 As vitórias do PS nas autárquicas e nas europeias, possibilitadas pela penalização eleitoral extrema dos partidos da direita, não se traduziram em vitórias expressivas do PS. Antes pelo contrário. Os magros pontos percentuais de vantagem do PS – que nas autárquicas se revelaram suficientes para a conquista de um número sem precedentes de municípios – face a uma coligação desacreditada e sobrecarregada pelo lastro de devastação social que arrasta consigo, resultam de uma consistente e preocupante quebra eleitoral do PS.

É essa lenta hemorragia eleitoral do maior partido da oposição, acompanhando em menor escala a tendência da direita, que mantem viva, com inteira justificação, a expectativa da coligação governativa de poder vencer as eleições legislativas de 2015, ou de, pelo menos, perdendo, manter uma expressão eleitoral que a torne indispensável a qualquer futura solução de governo, ou a, em qualquer caso, poder condicionar as suas políticas (assim frustrando as expectativas do eleitorado e agravando a crise do nosso sistema politico.)

A verdade é que nas autárquicas de 2013 o PS obteve mais escassos cem mil votos que o conjunto dos partidos que apoiam o governo. Se aos votos destes últimos acrescentarmos o score das candidaturas “independentes”, que eram, no essencial, dissidências do PSD, verificamos que o PS ficou cerca de duzentos mil votos abaixo da direita. Se compararmos a votação do PS nas autárquicas de 2009 (37,7%), antes da crise, com a votação de 2013 (36,26%), após três terríveis anos de crise gerida pela direita, verificamos que o PS perdeu duzentos mil votos.

Os resultados das eleições europeias são ainda mais preocupantes. A medíocre vantagem de 3,75% obtida sobre a coligação de direita, numa altura em que o PIB português retrocedeu aos valores de 2001 e a austeridade se intensificou pelo efeito acumulado das medidas de controle da despesa, traduz uma diferença favorável ao PS de escassos cem mil votos. Em relação ao acto eleitoral imediatamente anterior, o PS perdeu cerca de oitocentos mil votos. Em relação às europeias de 2009 (em que o PS obteve 26,58% contra os 31,46% destas últimas), a subida percentual de 5% correspondeu a oitenta mil votos (mais ou menos a votação do Livre).

Os números limitam-se a confirmar o que muitos sentem sem necessidade de grandes análises: o PS tem fracassado na mobilização do país, e da esquerda em particular, para uma alternativa credível ao cruel experimentalismo económico a que Portugal vem sendo sujeito. A demarcação titubeante da governação, as “abstenções violentas”, a dificuldade de apontar um rumo que não tema as rupturas necessárias e uma mais vigorosa capacidade de afirmação de Portugal nas negociações externas, os embaraços e sentimentos contraditórios a respeito da génese da crise – tudo explicará parcialmente as presentes dificuldades. Não há nenhuma necessidade ou sentido útil em fazer juízos de valor sobre os actuais protagonistas e o contributo que deram ou deixaram de dar, em anos inquestionavelmente difíceis, também para a oposição. Todos fazem e farão o PS.

Mas o país sabe que não existem alternativas sem um PS forte e afirmativo. O país exige mais do PS, e exige-o desde muito antes do processo interno que está a decorrer, e que devia ser fechado o mais depressa possível. Não se trata só de construir uma resposta de esquerda, credível e mobilizadora para os dilemas nacionais. É que um PS fraco tem contribuído para o sentimento de impunidade política da governação, que atingiu um grau de radicalismo, autossuficiência e violência social que não é dissociável da falência politica e eleitoral da oposição, que a direita não respeita nem teme.

Deputado do PS

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