Do topo à base, as empresas precisam de mais qualificações para garantirem o seu futuro

Tal como os países, as empresas produzem mais riqueza quanto maiores forem as qualificações de quem as compõe. Formação é uma necessidade para os trabalhadores, mas também para os gestores e empresários, apontam especialistas. Crise demográfica é desafio acrescido para Portugal.

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Portugal é o país da UE onde há menos trabalhadores com o ensino secundário completo Daniel Rocha

Se querem garantir a sua sustentabilidade a médio e longo prazo, as empresas nacionais têm de aumentar a formação dos seus quadros de pessoal. A opinião é unânime entre os especialistas, que apontam o défice de qualificações como uma das debilidades da economia nacional. Este é um problema que não afecta apenas os trabalhadores: os níveis de educação dos empresários estão abaixo dos registados entre os empregados e é preciso dirigir as acções também para os patrões.

O dado de referência para avaliar o impacto das qualificações na sustentabilidade das empresas é a fórmula apurada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) nos relatórios que medem as qualificações dos países, defende o professor do ISCTE e antigo presidente da Agência Nacional para a Qualificação, Luís Capucha. Aquele organismo internacional aponta que, por cada ano de escolaridade a mais na média da população, o Produto Interno Bruto (PIB) dos países sobre 0,5%, o que significa que, se Portugal tivesse uma escolaridade média idêntica à europeia, poderia ter um PIB superior em 20 pontos percentuais.

O que os estudos feitos na área indicam é que a correlação entre esta fórmula para os países e para a indústria “existe e é verificável”. A relação não é mecânica, mas a ferramenta é útil para perceber que são as empresas em que o nível médio de qualificações entre os trabalhadores e gestores é mais elevado que estão em melhores condições para serem sustentáveis a médio e longo prazo. “Cada vez mais a indústria incorpora conhecimento e inovação e isso não se consegue sem uma mão-de-obra qualificada, capaz de responder mais rapidamente aos desafios e às mudanças”, sublinha o professor do ISCTE.

O retrato de Portugal na Europa, apresentado no mês passado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, mostra um país onde apenas 40% das pessoas entre os 25 e os 64 anos têm o ensino secundário completo, o último da tabela dos 28 países, onde a média está 35 pontos acima. Portugal é também o pior quando se mede a percentagem de trabalhadores por contra própria que têm, no máximo, o 9º ano de escolaridade: 70,6%, contra uma média de 24,3%.

Para Luís Capucha, “talvez o problema mais sério do país” seja o seu défice de qualificações. Com quatro milhões de trabalhadores com menos do que o 9º ano e apenas um milhão com pelo menos o ensino secundário, Portugal apresenta uma relação inversa à que é típica nos países desenvolvidos nos indicadores de formação. Nos últimos anos, houve uma evolução, mas a “grande massa dos trabalhadores” portugueses ainda é constituída por pessoas sem qualificações, sublinha o professor do ISCTE.

O investigador da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, José Leite Ribeiro, concorda: “Ainda não somos suficientemente exigentes com o incremento das qualificações”. E destaca um comportamento “paradoxal” entre o discurso da necessidade de qualificações dos trabalhadores por parte das empresas e os obstáculos colocados aos funcionários quando estes querem inscrever-se em programas de formação.

O futuro da economia está na inovação e na digitalização, aponta o professor catedrático da Universidade de Aveiro, Joaquim Borges Gouveia, que, entre outros cargos, esteve na vice-presidência do conselho de administração da Agência de Inovação e dirige a Agência de Energia. “Para fazer isto é preciso ter conhecimento, mais cabeça e outro tipo de cabeça”, resume.

O desafio da produtividade
O grande desafio para a indústria nacional está em saber como resolver o problema da produtividade, defende Luís Capucha. Se é verdade que Portugal deu um salto muito grande no plano da inovação tecnológica nos últimos 40 anos, sobretudo desde a adesão à União Europeia, os outros dois factores determinantes para a produtividade apresentam maiores problemas: ao défice de qualificações é preciso juntar o “muito pouco” progresso em termos de organização de trabalho.

E isso deve-se em parte ao facto de, regra geral, as qualificações dos empresários serem “ainda mais baixas” do que as dos trabalhadores, diz este especialista. A prioridade do país “devia ser reforçar as qualificações de uma forma que incluísse as qualificações dos empresários”, defende Capucha.

Os números do Instituto Nacional de Estatística de 2010 mostram um desfasamento entre o nível de escolaridade de trabalhadores e empresários. Entre os patrões, 81% tinham completado o ensino básico ou menos, um valor que descia para 65% quando eram tidos em conta apenas os empregados. No que toca às qualificações superiores, o rácio era semelhante: apenas 9% dos empresários tinham concluído uma licenciatura, contra 18% dos trabalhadores.

Luís Capucha considera que o défice de qualificações dos empregadores é um problema para o qual os parceiros sociais têm, há muito, consciência. O que tem havido é “muito pouca imaginação politica” e “um bocadinho de falta de vontade” para responder a esta necessidade. Até porque a formação para patrões e gestores não pode ser feita nos moldes tradicionais “Eles não podem estar na escola preocupados com a encomenda do dia seguinte”, ilustra.

Daí que defenda formas mais imaginativas de aumentar as qualificações dos empresários, que podem passar por formação em contexto de trabalho ou tutorias por trabalhadores seniores que podem acompanhar o dia-a-dia das Pequenas e Médias Empresas (PME).

Nem Bond, nem McGyver
Foi a pensar nisto que a Universidade do Minho lançou, no início deste mês, a UMinho Exec, uma escola de formação para executivos e quadros de topo que pretende desenvolver os programas educativos “de fora para dentro”. A ideia é partir das necessidades e limitações encontradas no terreno e construir com os empregadores as ofertas formativas com que estes se vão qualificar.

“Se qualificamos o topo, acabamos por criar uma exigência até à base”, acredita José Leite Ribeiro, da Escola de Economia e Gestão daquela universidade. Recentemente, este investigador fez um doutoramento que visava a percepção sobre a gestão de recursos humanos em dez empresas, entre as quais três multinacionais instaladas no país. Todas elas eram casos de benchmarking dentro do respectivo grupo empresarial, o que era motivo de “orgulho para as pessoas que trabalhavam lá”, conta.

A este exemplo, o professor da Universidade do Minho acrescenta outro, clássico, dos trabalhadores portugueses que são um terço da força de trabalho do Luxemburgo, um dos países mais produtivos da Europa. A grande diferença, acredita, não está nas pessoas, está na mentalidade, diz, recorrendo à sua formação de base como psicólogo: “A pirâmide da mentalidade de gestão está invertida”. Na base há uma grande maioria de gestores com “mentalidade de capataz” e uma fatia menor de responsáveis com mentalidade de gestores e ainda menos líderes.

A este problema, João Leite Ribeiro acrescenta outros défices ao nível do planeamento e da organização. “O estilo de gestão em Portugal é muito baseado na capacidade de nos desenrascarmos”, afirma. E se a capacidade de lidar com o imprevisto pode ser uma característica positiva no meio empresarial, ela tem que ser a excepção e nunca a regra. “Nem podemos ter um estilo McGyver, que resolve tudo com pouco, nem James Bond, porque obriga a ter todos os meios e todos os recursos disponíveis. A virtude estará algures aqui no meio”, afirma.

Há um outro desafio para a economia portuguesa que Joaquim Borges Gouveia, da Universidade de Aveiro, considera fundamental: a demografia. Para este catedrático, habituado a ter um pé na universidade e o outro no mundo empresarial, mais gente significa mais fricção e mais competição: “Faz isto andar mais rápido”, acredita, alertando que, “quando isto está a definhar e há menos malta nova, o país não pode crescer”, alerta. Por isso, entende que o desafio do país e dos territórios – especialmente os que estão fora das grandes áreas metropolitanas – é fazer com que os jovens regressem às suas terras depois da formação no ensino superior. “Uma região onde não há jovens, é uma região que vai morrer”, sublinha.

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