Transparência em Saúde

Em Saúde, a decisão melhor informada pode não produzir os resultados desejados.

Perante a proposta de uma cirurgia difícil e complexa, ou o veredicto para iniciar um tratamento “pesado”, por toda a vida, a Pessoa tem o direito e o dever de questionar e saber o que lhe pode acontecer e se há alternativas, diz Marty (Martin) Makary, em entrevista à Forbes.

Marty Makary, cirurgião no Johns Hopkins, Baltimore e autor de “Unaccountable” (Bloomsbury USA), analisa comportamentos de profissionais e instituições de saúde, salientando a importância da transparência, sinceridade e honestidade, na comunicação, em particular com os Doentes.

As Pessoas querem saber sobre o seu caso pessoal. Quais as expectativas para si próprias, no mundo onde vivem, com as instituições e profissionais que trabalham na sua realidade geográfica. Não querem informações decalcadas de estatísticas construídas com base noutros contextos, outras populações, com outras circunstâncias.

As Pessoas querem ser informadas sobre as probabilidades de sucesso e insucesso, de complicações e quais, no seu caso. Não querem saber os resultados publicados nos melhores livros e revistas, pelos melhores médicos, dos melhores hospitais de países com ciência e tecnologia “de ponta”.

 O clássico é aconselhar uma segunda opinião, questiona Leah Binder (entrevistadora).

Marty Makary comenta e sintetiza: essa é uma boa ideia que resulta num maior esclarecimento e numa maior transparência. A indicação e utilização de medicamentos, tecnologias e técnicas, obsoletas ou recentes, sem critérios, nem controlo, deve alertar as Seguradoras (decisivas na Gestão em Saúde, nos EUA) para a importância das segundas opiniões, com os consequentes efeitos na transparência e seriedade das propostas terapêuticas. O meu livro pretende alertar para ”como a transparência pode revolucionar os cuidados e a gestão em saúde”. E acompanha a exigência crescente de transparência nas Sociedades.

Uma opinião é um juízo subjectivo sobre uma realidade e é uma adesão pessoal ao que se crê bom ou verdadeiro. Deve ter, como fundamento, o conhecimento da realidade, baseada em factos concretos e deve ser gerido com bom senso.

A primeira e a segunda opiniões, têm valor diferente? Há uma hierarquia? Uma opinião nunca é uma verdade absoluta. A verdade absoluta é veraz todo-o-tempo, em todos os lugares, para todas as Pessoas. E, em Saúde (Medicina), a verdade é, quase sempre, relativa! Quantas verdades do passado são inveracidades no presente!

Quem garante, no âmbito da Saúde, a veracidade e valor científico do que se publicita pela Internet, ou, mesmo, em muitas revistas e jornais chamados científicos? Como sabemos qual  a verdade veraz, em Saúde?

A verdade não é um conceito inequívoco. E, em Saúde, pelas variáveis em presença (características individuais, meio ambiente, geografia, hábitos comportamentais, alimentares, religiosos, culturais, etc.) a verdade não é absoluta. E a interpretação dos fenómenos fisiopatológicos e suas expressões clínicas, ainda que sustentada pela ciência, permanece num patamar de incerteza que remete, em última instância, para uma opinião personalizada, seja ela puramente individual, de uma comunidade ou de uma instituição.

O produto A, hoje é saudável, amanhã é prejudicial. O consumo de determinada substância é benéfico para certo órgão ou sistema, mas prejudica aqueloutro. A indicação operatória para certas doenças era “absoluta”, no passado e hoje está proscrita, bem como o inverso. Em determinado contexto geo-social, consumir este ou aquele produto é considerado eficiente no tratamento ou prevenção de certa ou diversas doenças, sendo reconhecidamente nefasto, para outras comunidades, científicas ou não.

O grande mercado de produção científica e a necessidade de o alimentar, faz com que a publicação de um artigo, dito científico, numa revista considerada científica, não possa, por si só, ser garantia de qualidade. E serve, tantas vezes, de suporte para campanhas de divulgação cujos objectivos são, simplesmente, comerciais.

Há muita publicidade a produtos e comportamentos que só serve interesses comerciais, mas arrasta multidões a consumi-los. E, nas últimas décadas, têm, também, sustentado o desenvolvimento e incremento de tantas actividades económicas de aparência benfazeja.

A publicidade e o marketing estimulam o consumismo de serviços e produtos de saúde, muitas vezes sem benefício para as pessoas e sempre com consequências para os seus bolsos.

Importa escrutinar as fontes de informação, ler as entrelinhas, perscrutar os desígnios da muita informação e opinião que jorra no nosso quotidiano relativamente à saúde individual e colectiva.

A relevância do conhecimento e crédito de instituições, de opinion makers, do suporte em papel ou digital devidamente autenticados, minimizam o risco da divulgação de conceitos/conteúdos mal reflectidas, mal estruturadas, mal suportados, inconsistentes e perigosas, que, pelo seu modo de apresentação “espectacular” são tomadas como verdadeiras, honestas e válidas.

A dominância do vil-metal sobre o ético, impõe, no que respeita à Saúde - tal como na maioria das actividades da nossa vida, individual, familiar, profissional e, até, por vezes, afectiva - actuar com ponderação e precaução, ouvindo outras opiniões e participando directamente nas decisões, não nos deixando dominar pela falsa ideia de que alguém possa ter a Verdade absoluta nas suas mãos.

Bom exemplo, são as Consultas de decisão terapêutica existentes em grandes e qualificados hospitais, as quais congregam vários especialistas de diferentes áreas e delas, após reflexão e proposta de cada um, surge o veredicto. Mas uma proposta final não significa unanimidade de opiniões, mas sim uma opção considerada melhor para o caso concreto.

A resistência do “establishment” é grande. Em si mesma reveladora de insensatez, pouca inteligência e escassa sagacidade. Mas o Cidadão é soberano e a exigência do conhecimento de alternativas à procura da melhor opção, não só está legitimada, como deveria ser prática comum.

A aceitação tácita de uma única proposta é sempre inimiga da obtenção da melhor solução. O exercício natural do direito a uma 2ª ou mais opiniões promove mais informação e melhor conhecimento, com mais vasto leque de soluções, e tornando a decisão mais sustentada.

A segunda opinião não é uma contra-opinião, mas uma oportunidade de melhoria do processo de decisão. Lamentavelmente, os veredictos unipessoais podem ser contaminados por apreciações que não salvaguardam valores éticos, de respeito pela dignidade das Pessoas e pelo seu direito, quer à vida e à saúde, quer à morte. Mas em consciência e partilha.

A institucionalização da segunda opinião em Saúde, como parte integrante natural do processo de decisão, é um instrumento de mais-valia na gestão de recursos e adequação de gastos.

Mas, atenção! Em Saúde, a decisão melhor informada pode não produzir os resultados desejados. Por vezes, a razão honesta confronta-se com o imprevisto (às vezes previsível!) do “destino” de cada um de nós.

A verdade absoluta é que não vivemos eternamente. Pelo menos “em carne”!

Médico e Coordenador Médico da Best Medical Opinion - Pareceres Médicos & Perícias Médicas

 

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