Achados arqueológicos de Belinho vão ficar em Esposende, onde serão estudados e expostos

Câmara montou projecto internacional para estudar peças de dois naufrágios e pretende agraciar os cidadãos que descobriram os achados.

O escultor João Sá tem no atelier uma peça na qual incluiu um objecto redondo, cravado de seixos, que apanhou no mar, nos seus habituais mergulhos na costa de Esposende. Este Inverno, nos dias que se seguiram à tempestade Hércules, em passeios pela restinga da praia de Belinho, no norte do concelho, com o filho Alexandre, o irmão Emanuel e um cunhado, Luís Miguel Calheiros, começaram a ver mais peças como aquela, bem como bocados de madeira de um barco e objectos em metal.

Alertaram o município e o Centro Nacional de arqueologia Náutica e Subaquática (CNAS), num gesto que acabaria por se mostrar crucial para o salvamento dos achados de, percebeu-se depois, dois naufrágios: o de um navio holandês do século XV ou XVI e de um outro romano, do século I.

João Sá ficou a saber, entretanto, que o que tinha lá em casa era uma bala de canhão de pequeno calibre. E até admite que gostaria de ver a sua peça escultórica, onde a utilizou, exposta lado a lado com os muitos achados - carga e pedaços de madeira - que ajudou a recuperar, e que estão a ser salvaguardados e estudados por uma equipa grande, e multidisciplinar, ancorada nas arqueólogos do município Ana Paula Brochado de Almeida, Ivone Magalhães e Rui Cavalheiro.

O presidente da câmara, Benjamim Pereira, assumiu esta quarta-feira que esta equipa foi essencial para o sensibilizar para a importância dos despojos arrojados pelo mar e para a montagem do projecto, de âmbito internacional, que nos próximos anos vai estudar e valorizar este espólio. Para o qual a autarquia pretende construir um espaço, revelou o autarca.

Benjamim Pereira quer também agraciar os quatro achadores, três dos quais emigraram para França, à procura de melhor vida, e não assistiram à apresentação dos achados. A sua atitude foi também elogiada pelo representante da Direcção Regional de Cultura do Norte, Miguel Rodrigues, que lembrou que a preservação do património é também responsabilidade dos cidadãos.

Perante os riscos de pilhagens, as pessoas envolvidos no resgate das peças foram mantendo segredo das suas actividades, mas localmente a notícia circulou, acrescentada, como e óbvio, de alguma fantasia. Correu o boato de que fora achado ouro e prata. Nada disso. Mas nem por isso os especialistas consideram pouco importante o latão e o estanho dos pratos de esmolas e das baixelas trazidas do Norte da Europa, ou a frágil cerâmica romana que, como o PÚBLICO adiantou esta terça-feira, fazem nova luz sobre a importância do Atlântico nas rotas comerciais do mundo romano.  

“Foi muito bom ver a história passar pelas minhas mãos. Imaginar através daqueles objectos a vida dos tripulantes dos navios. É um pedaço de história adormecida que a natureza fez despertar. Vale muito mais do que ouro ou prata”, nota o escultor. Ivone Magalhães, que tem agora nas mãos trabalho para “uma década”, tendo em conta o que ainda haverá para descobrir e tudo o que antes havia sido achado de um naufrágio romano numa zona mais a sul, em Marinhas, não continha os sorrisos.

O concelho de Esposende, que há 30 anos vem valorizando o espólio arqueológico do Castro de São Lourenço, vê-se agora com uma riqueza retirada do mar que, para o presidente da câmara, o podem catapultar como destino de eleição para quem viaja à procura de natureza e cultura.

Ao longo dos próximos meses, a equipa vai realizar um conjunto de encontros, com outras instituições, para alertar para a importância destes achados. Mas a primeira iniciativa decorrerá em Belinho, para sensibilizar a população local e pedir a colaboração dos cidadãos na salvaguarda de outras peças que possam surgir naqueles quilómetros de praias. No próximo ano, em Maio, será organizado um evento público em que serão divulgados os primeiros dados que os estudos sobre o material recolhido deverão revelar.  

 

Rede internacional vai estudar achados

A Câmara de Esposende montou uma rede de instituições e investigadores para, nos próximos anos, estudar os vários sítios arqueológicos já detectados na costa do concelho. Ao Museu D. Diogo de Sousa, de Braga, ao Museu Marítimo de Esposende e aos Gabinetes de Arqueologia das autarquias de Esposende e de Vila do Conde juntam-se nomes como os dos professores de arqueologia Carlos Brochado de Almeida e Rui Morais e da geóloga Helena Granja.

Face à importância dos achados, foram já feitos contactos com instituições estrangeiras e este grupo foi alargado a mais investigadores, como o arqueólogo francês Jean-Yves Blot e ainda a um desenhador naval de Vila do Conde, José António Samuel, estudioso da construção naval quinhentista, entre outros. “Queremos trabalhar em rede com os nossos vizinhos, assinalou o presidente da câmara, referindo que “o tempo do cada um por si” já acabou.

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