Paço de Vilar de Perdizes, um marco europeu

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O Paço de Vilar de Perdizes DR
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A capela DR
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O interior da capela DR

Já se imaginou a ser transportado para outra dimensão temporal? É exactamente o que se sente ao entrar no Paço de Vilar de Perdizes com as suas paredes de granito da região, os traços de arquitectura barroca, o chão de madeira, original do século XVIII, ou a colecção de oito tectos artesoados, únicos em Portugal.

A instituição aqui do morgadio dos Sousas no século XVI — possivelmente “a única comenda papal em Portugal”, como conta Alexandre Moniz de Bettencourt, proprietário do espaço e descendente de António de Sousa Pereira Coutinho, último morgado de Vilar de Perdizes — é já o reconhecimento pelo Papa Paulo VI do trabalho de assistência aos romeiros de Santiago na rota de peregrinação que liga Chaves à Galiza.

Em 1551, no senhorio dos Sousas, o abade António de Sousa, fidalgo da Casa do Duque de Bragança, constrói o Hospital de Santa Cruz, juntado-lhe uma capela e uma botica, para albergar os peregrinos pobres de Santiago e dar-lhes a necessária assistência. Quatro anos depois, a bula do papa confirmava a instituição do hospital, concedendo aos Sousas a comenda prepétua de São Miguel de Vilar de Perdizes e o morgadio.

A aldeia nortenha de Vilar de Perdizes “era um lugar de passagem fácil, quando o Tâmega estava intransponível no Inverno, por estar pegada com a Galiza”, conta enquanto bebe um chá num café da aldeia o padre António Fontes, organizador do famoso Congresso de Medicina Popular e também do Congresso Luso-Galaico Trás-os-Montes nos Caminhos de Santiago. “Esta era uma das hipóteses de passagem da Via da Prata”, um dos caminhos de Santiago, explica o padre.

Mas voltemos à nossa visita ao solar. À entrada do paço, surge a botica (farmácia) e a Casa da Guarda em ruínas. A capela, com um altar em talha dourada no interior, ameaça cair. Mais perto da casa, o hospital, “per agazalho dos romeiros de Santiago” lê-se gravado na pedra, está igualmente em ruínas. Aí, onde já houve nove a doze camas para os peregrinos, vê-se ainda uma janela, que noutros tempos deu para outra capela, hoje desaparecida, através da qual os acamados podiam assistir à missa.

Mas além da vertente religiosa, o Paço de Vilar de Perdizes tinha também uma função militar e devia estar ao serviço do rei. Por isso mesmo, sofreu vários ataques militares estrangeiros, três dos quais destrutivos. O último, em 1708, deixou-o praticamente em ruínas, o que deu azo a um processo de reconstrução no século XVIII. As paredes, no entanto, mantêm-se as originais do século XVI.

O monumento está novamente em risco, mas desta vez por motivos estruturais e foi pré-seleccionado para o programa “Os 7 sítios mais ameaçados” da Europa Nostra de que esta segunda-feira ao final da tarde se sabe o resultado. Construído de raiz sobre “uma muralha que é um aterro”, onde apenas uma parte está assente “em terreno firme”, o Paço de Vilar de Perdizes está com problemas de estabilidade, explica Moniz de Bettencourt.

Como consequência, a casa-mãe já sofreu um deslize, houve um muro que ruiu e a capela corre também o risco de ir ao chão. No interior e exterior do templo, já são visíveis as pedras desligadas e entrar na capela é agora pouco seguro.

Não intervencionar o solar da família não é uma hipótese. “Não pode ser, de maneira nenhuma”, diz Moniz de Bettencourt, que realça a importância que este marco tem para a Europa, porque “Vilar de Perdizes é muito importante no caminho de Santiago”, um património europeu comum.

Já em 2004, a família tinha feito um projecto para recuperar os anexos da casa e reactivar o caminho de Santiago. A ideia mantém-se, conta o proprietário, que esclarece que o objectivo não é abrir a casa permanentemente, por ser uma residência da família, mas dar uso aos anexos: voltar a abrir a capela, fazer da Casa da Guarda um centro de interpretação e criar um espaço museológico com o hospital e a botica, com a particularidade de esta vender “mezinhas”, explorando as tradições da comunidade local, tão conhecida pelo Congresso de Medicina Popular.

David Ferreira, técnico da Direcção Regional de Cultura do Norte, reconhece que é muito importante reactivar o caminho e lembra que “o paço está classificado como monumento de interesse público” desde 2011: “Tudo o que seja atrair visitantes é bom. Quem faz o caminho de Santiago são pessoas sensíveis em relação ao património cultural e natural e podem-lhe fazer boa publicidade.” O técnico sublinha que, em articulação com o turismo e os municípios, se tem vindo a reestruturar este tipo de rotas e os monumentos que lhe estão associados. “Em Trás-os-Montes, isso articula-se com uma paisagem muito bonita e com uma oferta gastronómica.”

O padre Fontes também está esperançado com o projecto. “É um sonho meu desde que aqui estou”, reactivar o Caminho de Santiago em Vilar de Perdizes. O organizador do Congresso Luso-Galaico Trás-os-Montes nos Caminhos de Santiago classifica o caminho como “um veículo de cultura”.

Moniz de Bettencourt defende que o projecto de recuperação do paço pode vir a “servir de paradigma” para muitas casas antigas que precisam de ser recuperadas, algo que considera importante uma vez que “o principal património construído do país é o privado”. Diz contudo não ter “expectativas extraordinárias” quanto à selecção para o programa da Europa Nostra, porque Portugal tem dois monumentos seleccionados: “Há muitas hipóteses de uma das coisas sair do programa.”

Editado por Isabel Salema

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