Uma espécie em extinção

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Dean Wareham não punha cá os pés há mais de uma década

Dean Wareham, antigo líder dos Galaxie 500, é de uma espécie em extinção: o verdadeiro herói indie-rock. Na terça-feira apresenta o seu disco de estreia homónimo no Sabotage, em Lisboa

Que semana impressionante para o indie rock clássico, esta: em escassos dias teremos Calvin Johnsons, o líder da K Records, guru de Kurt Cobain e metade dos maravilhosos Halo Benders e Dean Wareham, ex-líder dos Galaxie 500, ex-líder dos Luna e metade do duo Dean & Britta, a actuar em Portugal.

Wareham não punha cá os pés há mais de uma década, desde os tempos em que ainda liderava os maravilhosos Luna – agora, e depois de Dean & Britta, surge com o seu primeiro disco (homónimo) a solo. Britta ainda se mantém como companheira e vai estar no palco com Dean no concerto de terça-feira no Sabotage. 

Sendo uma estrela indie, Wareham podia dar-se ao luxo de fazer o que quer, mas quando lhe dizemos que a versão que os Galaxie 500 fizeram para Ceremony dos Joy Division era melhor que o original, provavelmente a melhor versão da história e “a” canção que transportamos mais perto do coração, e que sonhamos em ouvi-la ao vivo, ele diz de imediato:“Vou tocá-la, vais ficar de boca aberta”.

A verdade é que chamar estrela a Wareham é, de certo modo, um erro. Quando os Galaxie 500 editaram o seu trio de discos melancólicos e altamente inflamáveis (Today, de 1988, On Fire, de 1989 e This Is Our Music, de 1990), o mundo era um lugar bem diferente para um praticante de indie-rock. 

“Em 1988 pensar em ser rock star não era opção. As bandas que gostávamos eram todas falhadas. Os Rain Parade, os Dream Syndicate, mesmo os R.E.M., nenhuma destas bandas parecia ter sucesso. As nossas influências, os Modern Lovers, os Television, os Red Krayola, nenhum deles vendera a ponta de um chavelho. Lembras-te do que passava na rádio? Huey Lewis e Bon Jovi. Não se podia competir com isso”.

Depois houve uma ligeira mudança no panorama do indie-rock: “Os Nirvana mudaram tudo. Eu relacionei-me imenso com eles, confesso. Tornaram-se maiores e maiores, abrindo portas a bandas que antes não seriam ouvidas”. Na altura Wareham já estava nos Luna, e “nesse sentido os Nirvana não nos ajudaram nada, porque não éramos grunge”.

Os Luna eram todo um universo à parte dos Galaxie 500. Nestes, os discos eram povoados por melodias tristes que orbitavam em torno de dedilhados preciosos de guitarra; o baixo parecia estar sempre a fazer solos e as canções cresciam até ao ponto de combustão, quando Wareham se entregava a solos de guitarras explosivos. 

Um belo exemplo da diferença entre as duas bandas são as versões que fizeram: nos G500, versões de Listen (the snow is falling), de Yoko Ono, e Ceremony, dos Joy Division, acabavam com torrentes de guitarra crispada, chispando como uma broca a furar diamantes. Em Penthouse, dos Luna, há uma versão de Bonnie & Clyde, de Serge Gainsbourg: era o sinal de que Wareham tinha alargado o seu leque de escutas. Onde os discos dos Galaxie 500 eram crispação, Penthouse era todo sedução. Sempre discreto e evitando tudo o que pudesse chamar a atenção para si, Wareham nem creditava a versão de Gainsbourg no disco.

O papel de indie-rock star old-school acabou por ficar para Damon Krukowski, o antigo baterista dos Galaxie 500 que num ensaio curioso demonstrou como o dinheiro que vinha das escutas dos discos dos G500 no Spotify era muito menor que o da venda de discos. Wareham, um sujeito altamente equilibrado, não se põe em nenhum lado: “Eu uso o Spotify. Para os consumidores é óptimo, para os músicos nem por isso. Toda a gente na indústria me diz para pôr lá os discos porque é lá que as pessoas ouvem música e se não puser estou a perder oportunidades. Eu aceito-o. Chegámos a pôr álbuns dos Luna no Bandcamp mas preferimos o iTunes, que por acaso está a cair nas vendas. Compreendo o ouvinte: para quê pagar se se pode ouvir de graça? Eu é que sou um idiota porque ainda compro discos”.

O que é ele compra? Como herói indie devia estar obrigado a ouvir apenas os Stooges, mas é com uma calma imensa que diz: “A Dolly Parton faz-me chorar”. (E diz com toda a razão.) Recentemente, num ensaio publicado na revista Salon, Wareham defendeu Get Lucky, dos Daft Punk, contra as opiniões do crítico Rick Moody – e mesmo quem não grama a canção (que é o nosso caso) dará por si admirado coma a elegância e inteligência dos argumentos de Wareham.

“O Lou Reed costumava dizer: ‘Eu gosto de disco porque é pró-sexo, as letras são estúpidas e qual é o problema disso? Nem tudo tem de ser inteligente e profundo.’ É estúpido detestar um género. A maior parte do indie rock de hoje é simples imitação de há 30 anos: o shoegaze voltou, há muitas bandas que soam aos U2, como os Arcade Fire. Os Vampire Weekend soam ao Graceland, mas eu nunca gostei do Graceland porque a produção é horrível”.

Por estes dias Wareham deve andar mais Dolly Parton que Daft Punk: o seu disco a solo homónimo tem suaves tiques de country, com slide-guitar a surgir aqui e ali; não há mais de quatro solos de guitarra no disco, que soa próximo dos Go-Betweens ou do último álbum de Robert Forster a solo: canções clássicas imaculadas.

“Não sou muito bom compositor”, diz Wareham, contrariando o que pensamos quando ouvimos Beat the devil, um dos temas do novo álbum. “Preciso de ter músicos ao lado para compor e digo-lhes: ‘Isto funciona como com o Dylan: tem-se uma ideia e os músicos que façam os arranjos’”. Wareham gravou o disco à antiga, com bateria, baixo e guitarras ao vivo em estúdio, e depois “muitos overdubs de órgão e slide-guitar por trás”. E acrescenta: “Não sou uma daquelas pessoas que constroem canções instrumento a instrumento e imaginam tudo, preciso mesmo de gente à volta”, repete. 

O disco, afirma, “é uma reacção aos três discos anteriores de Dean & Britta”. A guitarra faz menos barulho porque ele considera “já ter feito tudo o que era possível com ela. Às vezes estou no estúdio e tenho de me lembrar que as pessoas querem ouvir-me tocar guitarra e tenho de a pôr lá”. 

Como é hoje a carreira de um herói indie? “Bem, acabei agora uma digressão, e acima de tudo havia muitos fãs de Luna, sendo que eu toco de tudo. O curioso é que se eu anunciar que vou tocar só os Galaxie aparece só malta nova, o que é contraditório”.

“O meu filho tem 14 anos e acho que agora é cool gostar dos Galaxie outra vez. Mas as pessoas gostam de ouvir novas canções, é essa a minha impressão”. Se gostarem um pouquinho que seja, irão adorar Heartless people, do novo disco, e uma catrefada mais deste resistente.
 

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Dean Wareham
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