IndieLisboa mostra as longas invisíveis de Guimarães 2012

Centro Histórico e 3x3D, os filmes em episódios com contribuições de Pedro Costa, Jean-Luc Godard ou Manoel de Oliveira, passam este fim-de-semana no festival. A aproveitar, enquanto a estreia se encontra presa num limbo legal

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Sweet Exorcist, de Pedro Costa
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O Conquistador Conquistado, de Manoel de Oliveira
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3x3D
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Os números falam por si: duas produções portuguesas, dois filmes colectivos com contribuições de alguns dos maiores nomes do cinema português e internacional, que têm feito uma carreira internacional ímpar. Passagens em mais de 50 festivais, entre os quais certames “de classe A” como Cannes, Roterdão, ou Locarno, estreias um pouco por todo o mundo...

Excepto em Portugal, onde Centro Histórico e 3x3D, longas-metragens produzidas ao abrigo de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, aguardam pacientemente que se decida o seu futuro.

Revelado em abertura do Festival de Roma 2012, Centro Histórico reune episódios dirigidos pelos dois cineastas portugueses vivos mais aclamados internacionalmente, Manoel de Oliveira (O Conquistador Conquistado) e Pedro Costa (Sweet Exorcist), outro pelo finlandês Aki Kaurismäki (O Tasqueiro), que vive em Portugal parte do ano, e outro pelo mestre espanhol Victor Erice (Vidros Partidos). 3x3D encerrou a Semana da Crítica de Cannes 2013, marcando a estreia no novo 3D digital de três dos cineastas formalmente experimentalistas dos nossos dias: o mestre da Nouvelle Vague Jean-Luc Godard (Les Trois Désastres), o britânico Peter Greenaway (Just in Time) e o português Edgar Pêra (Cine-Sapiens).

Em Portugal, contudo, os dois filmes assemelham-se àqueles “mitos” de que todos falam mas que quase ninguém viu (uma sessão de Centro Histórico programada para a Cinemateca em 2012 foi cancelada por questões técnicas, relacionadas com a inexistência de projecção digital nas salas da Barata Salgueiro). 

Lisboa vai poder vê-los este fim-de-semana, no âmbito do IndieLisboa: Centro Histórico numa sessão única no cinema São Jorge (domingo 27, 18h), 3x3D com três passagens no City Campo Pequeno (sábado 26, quarta 30, e domingo 4, sempre às 21h30). A passagem corresponde a um desejo do festival que ficara adiado do ano passado devido à estreia de 3x3D em Cannes. E é melhor aproveitar, porque não se sabe exactamente quando os filmes vão poder ser mostrados comercialmente entre nós.

No meio de um processo nebuloso e delicado, o que é unânime para todas as partes contactadas pelo PÚBLICO é que os direitos de exploração em Portugal de Centro Histórico e 3x3D se encontram em posse da Câmara Municipal de Guimarães, sucessora da entretanto extinta Fundação Cidade de Guimarães (FCG), responsável última pela sua produção. E que cabe à autarquia vimaranense, em colaboração com o governo, a resolução das questões legais que impedem a distribuição comercial dos filmes.

Vítor Oliveira, adjunto da presidência da Câmara, confirmou ao PÚBLICO que o destino de Centro Histórico e 3x3D está neste momento nas mãos da comissão liquidatária da FCG - que, composta pela autarquia e pela Direcção Geral do Tesouro, apenas foi constituída oficialmente há algumas semanas e não iniciou ainda trabalhos.

Os direitos para o resto do mundo, geridos pelo agente de vendas francês Urban Distribution International (escolhido por concurso ainda em vida da FCG), não são afectados por esta questão – e parte da estranheza que rodeia a ausência dos filmes do mercado português deve-se precisamente à atenção crítica internacional que os filmes têm merecido. Basta dizer que o episódio de Jean-Luc Godard em 3x3D foi considerado por alguns críticos “a melhor coisa que se viu em Cannes 2013” (e a nova longa-metragem do cineasta, Adieu au Langage, que irá estrear dentro de poucas semanas em Cannes, foi inteiramente rodada no formato). No caso de Centro Histórico, a reunião de quatro dos nomes mais influentes do cinema de autor contemporâneo – dois dos quais, o português Pedro Costa e o espanhol Victor Erice, de produção infrequente e rara – garantiriam automaticamente a atenção da imprensa.

É também por essa repercussão internacional que “é uma tristeza muito grande” que Centro Histórico não tenha ainda chegado às salas nacionais. A expressão é do produtor de Pedro Costa, Abel Ribeiro Chaves, que em breve conversa telefónica com o PÚBLICO não se quis alargar demasiado sobre o assunto. Certo é que Costa (secundado por Victor Erice) se insurgiu publicamente contra a possibilidade da exploração comercial de Centro Histórico ser entregue à distribuidora Zon Audiovisuais (anteriormente Lusomundo), uma das empresas “na corrida” aos direitos de exibição e cuja proposta teria merecido a preferência dos responsáveis da FCG.

No entanto, as muitas polémicas mais ou menos públicas que rodearam a FCG terão acabado por atirar para segundo plano a questão da exploração comercial da programação de cinema de Guimarães 2012 – que, dirigida pelo crítico e jornalista João Lopes, abrangia ainda mais uma trintena de obras, entre curtas e longas-metragens e documentários e ficções.

Assinados por nomes como Margarida Gil, Regina Guimarães, Gonçalo Tocha, António Ferreira, João Nicolau, Ivo Ferreira, Gabriel Abrantes ou Bruno de Almeida, a quase totalidade destes filmes não têm tido exposição fora de sessões pontuais não-comerciais e do circuito de festivais. Encontram-se na mesma situação de Centro Histórico e 3x3D, com a visibilidade destes dois projectos a torná-los na “ponta do icebergue” de uma situação bastante complexa.

Rodrigo Areias, o produtor e realizador vimaranense que supervisionou a produção da programação de cinema, avançou ao PÚBLICO que terão sido questões de pormenor jurídico a impedir a resolução da situação antes da extinção da FCG, atirando os filmes para o “limbo” no qual se encontram. Segundo Vítor Oliveira, é desejo da comissão liquidatária resolver a situação o mais depressa possível.

Enquanto as coisas não se resolvem, a passagem de Centro Histórico e 3x3D no IndieLisboa é uma boa ocasião de se perceber o porquê da atenção que estes dois filmes “invisíveis” têm merecido por onde têm passado. É de aproveitar. 

 Notícia corrigida dia 26 de Abril às 18h47 : o nome do filme de Pedro Costa é Sweet Exorcist


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