Cartolas e bengalas

Nestas noites, começam amores à primeira bebida. Bebe-se com os amores que ficarão para a vida. Brinda-se ao amor. Erguem-se os copos ao regresso, sem se falar em despedida

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Tiago Pereira/Flickr

Arrancam nas próximas semanas, um pouco por todo o país, os preparativos para a queima das fitas. “O cartaz está quase a fechar, mas os nomes serão sempre secundários!

Barris de cerveja, quantos vão ser precisos por noite?

Atenção às promoções dos hipermercados. Os "packs" de minis não se estragam até lá!

'Habemus' datas! É preciso marcar o jantar de curso, os restaurantes da moda já estão todos reservados. Alguém sabe quando começa a venda das pulseiras? E a nova camisola de curso, já chegou?"

A compra da cartola e da bengala e a distribuição das fitas lembram a caminhada percorrida. A última prova do traje anuncia o trilho a percorrer.

Nas semanas que antecedem a queima das fitas, as faltas são de evitar. Devem antes ser geridas para que se possam dividir estrategicamente pelos dias de folia. E esses, esses são dias perdidos, noites ganhas. Tudo acontece no recinto e por lá fica. Porque ninguém se lembra. Porque há quem prefira esquecer. Porque não há ontem ou antes, apenas aqui e agora. Porque sim.

Na noite seguinte tudo será diferente, prometem. Menos álcool, menos danças, zero declarações para as câmaras de filmar.

Na noite seguinte é que vai ser, acreditam. Mais amigos por perto, mais perto do palco, mais bebidas grátis e chupa-chupas, menos tempo em filas de espera, zero visitas à ambulância do INEM.

Fora do recinto acontecem os reabastecimentos e os aquecimentos para o jantar, praticamente a única refeição do dia. Esticam as cozinhas e as salas para lá estar quem enche o coração. Descobrem as varandas dos apartamentos. Cantam as músicas dos cursos e as dos que vão subir mais tarde ao palco.

Há sempre alguém que cozinha, alguém que prepara a sangria. Alguém que bebe muito antes do jantar, alguém que aproveita para dormir uma sesta. Alguém que se lembra de um jogo engraçado. Ninguém se lembra de arrumar a cozinha.

Mudam as camisolas, mas não as calças. Embainham os casacos de curso como escudos. As sapatilhas ganham outra cor, numa mistura de pó, cocktails e pisadelas.

Nestas noites, começam amores à primeira bebida. Bebe-se com os amores que ficarão para a vida. Brinda-se ao amor. Erguem-se os copos ao regresso, sem se falar em despedida.

Estas noites são deles, por mais sóis que se ergam.

A serenata desprende as lágrimas que os finalistas andaram a segurar. A bênção das pastas deixa-os pequenos, a querer o colo dos pais. O baile fá-los príncipes e princesas. O cortejo deixa-lhes a tristeza dormente. Como se quer.

Nas ruas ouve-se um fado, canta-se a saudade.

A vida de estudante chegou ao fim.

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