Julgamento em massa ou execução em massa?

Ao mundo árabe resta ver-se ao espelho e enfrentar a sua incapacidade em ultrapassar o autoritarismo, laico ou religioso.

Um dia depois de ter condenado à morte 529 militantes da Irmandade Muçulmana, em apenas duas sessões e sem que os advogados de defesa tenham sido ouvidos, a justiça egípcia julgou mais 683 apoiantes daquela organização, cuja sentença será conhecida a 28 de Abril.

É, ao mesmo tempo, um choque, um ultraje e uma farsa. O regime militar parece disposto a ultrapassar a violência da era de Hosni Moubarak, cuja deposição marcou o início da Primavera Árabe egípcia. O julgamento em massa de militantes envolvidos num episódio de violência que se seguiu à deposição do primeiro Presidente eleito do país, Mohammed Morsi, está na prática a ser a antecâmara para uma execução em massa.

A repressão brutal é o caminho que o regime militar escolheu para preparar o caminho para a eleição presidencial, que deverá ser ganha pelo chefe do exército, o general al-Sisi. Mas ninguém poderá pronunciar a palavra democracia neste país condenado a um terror sem limites. Através das urnas, os egípcios deram o poder à Irmandade Muçulmana, que espalhou a violência e a intolerância até ser derrubada pelos militares.

Ora não há saída para a brutalidade do conflito entre as duas forças dominantes do Egipto, o exército e a Irmandade. O Ocidente assiste, impotente, a este epitáfio do vento de esperança que, há pouco tempo, soprou no mundo árabe. A explosão de violência no Egipto acompanha, ainda que num tom menor, o horror da guerra civil síria. Mas o princípio subjacente aos dois países é o mesmo: uma clique sentada nas cadeiras do poder recorre à violência sem limites ou pudor para esmagar os seus opositores.

Estes lamentáveis episódios no Cairo coincidem com a cimeira da Liga Árabe no Kuwait, onde o Qatar está isolado no seu apoio à Irmandade, que egípcios e sauditas classificaram de organização terrorista. Mas o que o mundo árabe está realmente a ver no Kuwait é o auto-retrato da sua impotência colectiva em ultrapassar o autoritarismo, laico ou religioso, como forma de governo. 

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