"O livro é o risco que você corre. E é o risco que faz a sua vida interessante"

Paulo Coelho está em Portugal numa visita privada. Escolheu a Fortaleza do Guincho para dar a sua festa anual em honra de S. José e trouxe uma centena de amigos. Adultério é o seu próximo livro, sairá em Maio na Pergaminho, a sua editora de sempre.

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Paulo Coelho na Fortaleza do Guincho Enric Vives-Rubio
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Enric Vives-Rubio

A festa para a qual convida mais de uma centena de amigos, que o acompanham desde sempre, realiza-se a 19 de Março, dia de S. José, e por isso esta quarta-feira à noite os seus convidados irão fazer uma oração colectiva ao santo e confraternizar num jantar na Fortaleza do Guincho ouvindo a fadista Mariza, que será levada por um amigo.

“Quando nasci, nasci morto. Nasci com o cordão umbilical à volta do pescoço e a minha mãe estava na Casa de Saúde S. José e fez uma promessa a S. José para que me ajudasse a sobreviver”, contou Paulo Coelho na conferência de imprensa que deu quarta-feira, à hora do almoço, na Fortaleza do Guincho, em Cascais. “Sobrevivi, como estão vendo, e a minha mãe como é óbvio esqueceu a promessa. Mas eu guardei aquela coisa e quando fiz o Caminho de Santiago decidi pagar a promessa que minha mãe fez. Por isso, as pessoas que estarão na festa são os meus amigos de sempre, porque às vezes a fama te afasta dos amigos. Ou os amigos se afastam de você.”

A partir de determinada altura, Paulo Coelho que já vendeu 160 milhões de livros em todo o mundo (três milhões só em Portugal) começou a viajar pelo mundo com esta festa. Já a realizou em França, na Áustria, na Grécia, em Itália...  Quando em 2011 esteve pela primeira vez no Guincho, ficou apaixonado e decidiu que faria ali uma das próximas festas. Aconteceu ser este ano.  

Na terça-feira à tarde, no Casino do Estoril, o escritor e os seus convidados vindos de todos os continentes assistiram uma projecção do filme Não Pare na Pista, de Daniel Augusto, uma co-produção brasileira e espanhola que irá para as salas de cinema brasileiras em Agosto. O filme baseia-se na vida de Paulo Coelho, que antes de ser mundialmente conhecido como escritor viveu uma adolescência conturbada (com internamentos em casas de saúde), se encantou com o movimento hippie nos anos 1960/70, foi preso e torturado durante a ditadura brasileira e se tornou conhecido no Brasil por ser letrista de sucesso na dupla com Raul Seixas, o músico brasileiro que morreu em 1989.

Com o sucesso de O Alquimista ( mantém-se no top dos livros mais vendidos do New York Times há mais de 293 semanas) e de que agora foi lançada uma edição especial em Portugal (juntamente com O Diário de Um Mago e Veronika Decide Morrer), Paulo Coelho tornou-se no escritor de língua portuguesa mais conhecido em todo o mundo. Desde 2006 que não faz sessões de autógrafos nem viagens de promoção dos seus livros. Mas dedica parte do seu tempo às redes sociais. No Twitter tem 9 milhões de seguidores e no Facebook quase 19 milhões de pessoas.

Em Outubro estava entre os escolhidos para participar na Feira do Livro de Frankfurt, em que o Brasil era país convidado, mas considerou que não davam lugar aos mais novos. “O Brasil vive momento de nepotismo. Os amigos do Governo têm tudo e os amigos do Governo não têm nada”, disse esta quarta-feira explicando a sua recusa e porque não quis integrar a comitiva de escritores convidados. Mas estará na feira este ano, onde fará uma conferência no dia da abertura.

Aos 66 anos, vestido de preto e com o rabicho de sempre, Paulo Coelho olha para o presente com o mesmo entusiasmo com que olhava quando começou a publicar. Nada o obriga a lançar um novo livro. A “eventualmente aguentar pau ou o elogio da crítica” e a sentir ansiedade. Olha para um livro hoje como olharia em 1987 – embora nessa época não soubesse se seria lido. Hoje sabe, à partida, que vai ter uma massa crítica muito grande. Mas não sabe se os leitores vão ou não gostar. "Agora isso não pesa nas minhas costas. Se pesasse, eu teria tentado repetir uma fórmula de sucesso. Mas [cada novo ] livro é um risco que você corre. E é o risco que faz a sua vida ser interessante”, explicou aos jornalistas.

Lançamento mundial

A ideia para este novo romance, Adultério, surgiu-lhe ao ver um filme sobre o Relatório Kinsey,  o estudo sobre a sexualidade humana publicado nos anos 1950. Começou a pensar o que mais afligiria as pessoas hoje em dia. Achou que era a depressão, mas depois de ter colocado o problema nas redes sociais chegou à conclusão de que era o adultério. “O problema principal que ninguém aborda de uma maneira honesta é o adultério. Muita gente sofre e se tortura por terminar relações muito longas por uma aventura de duas noites, depois se arrepende mas é tarde de mais. Comecei a entrar em fóruns anonimamente para discutir [esse tema da traição] e me dei conta de histórias muito comoventes.”

Nesses fóruns, o escritor apresentava-se umas vezes como mulher, outras como homem. Até ao dia em que encontrou uma pessoa que "foi elaborando" e "aí sentiu a ideia do livro”. Escreveu-o em Novembro, apesar de costumar escrever os seus livros em Janeiro. Alguns editores queriam mudar-lhe o título – questionavam: “Você vai dar para a sua mulher um livro que se chama Adultério?” Ou: “Eu vou estar na cama lendo um livro chamado Adultério? Meu marido já vai achar estranho” –, mas Paulo Coelho foi intransigente. O livro irá ser publicado em Abril no Brasil, a seguir em Portugal e depois em França, na Polónia, em Itália e nos países de língua inglesa em Agosto.

“É a história de uma mulher que se sente entediada pela vida, depois de dez anos de casamento. No entanto, tem tudo para ser feliz, um marido que a ama, dois filhos adoráveis, um trabalho de que gosta. Mas acorda infeliz: está faltando aventura", resume o escritor. O livro está escrito na primeira pessoa e a narradora é uma jornalista. Paulo Coelho só queria fazer um post e acabou por escrever um livro – num momento em que o mercado editorial está a atravessar uma fase complicada, de transição.

Há dois anos Paulo Coelho mudou de editora nos Estados Unidos e este ano fez o mesmo em Inglaterra. "A tendência global é cinco ou seis editoras controlarem o mercado global. Por isso as editoras vão investir mais em autores que estão publicados em vários países do que no que está presente num país. O mercado mudou. Os editores estão tendo bastante dificuldade em aceitar essa mudança. Eles não conseguiram ainda adoptar a linguagem do livro electrónico, mas as nossas vendas – e falo por mim –  crescem exponencialmente no livro electrónico, embora em alguns países ainda não. Mas, por exemplo, o ano passado, que foi um ano que eu não lancei livro, as vendas dos meus livros electrónicos chegaram quase a 40% do total de exemplares vendidos", revelou o autor´, que optou por ser o detentor dos seus direitos digitais em todas as línguas excepto na língua inglesa.

 “Eu sou um escritor. Vivo do meu trabalho. Não estou aqui vendendo a salvação, estou vendendo o meu trabalho. E estou dando um exemplo: meu sonho é possível", diz o escritor, que espera ser um exemplo, tal como Jorge Amado foi para ele. Quando Paulo Coelho disse à mãe que queria ser escritor, ela disse que era impossível e que ninguém vivia de literatura no Brasil, só o Jorge Amado. "Então se um vive, outros viverão",  contrapôs aquele que se viria a tornar um dos escritores mais lidos no mundo. 

 


 

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