Em favor dos académicos apologistas da raposa

Vivemos num mundo complicado e, por isso, somos obrigados a simplificá-lo. Categorizamos as pessoas que nos rodeiam como amigos ou inimigos, classificamos os seus motivos como bons ou maus e atribuímos eventos com raízes complexas a causas simples. Estes atalhos ajudam-nos a navegar pelas complexidades da nossa existência social. Ajudam-nos a formar expectativas sobre as consequências das nossas acções e das acções dos outros, facilitando, assim, a tomada de decisão.

Porém, tendo em conta que são simplificações, estes “modelos mentais” estão necessariamente errados. Podem servir para nos orientar nos desafios diários, mas deixam de fora muitos detalhes e poderão virar-se contra nós quando nos encontrarmos perante um contexto em que as nossas categorizações e explicações preconcebidas não se enquadrem tão bem. A expressão “choque cultural” refere-se a situações nas quais as nossas expectativas sobre o comportamento das pessoas se revelam de tal forma erradas que ficamos abalados pela experiência.

No entanto, sem estes atalhos ficaríamos perdidos ou paralisados. Não temos nem a capacidade mental, nem o entendimento para decifrar toda a teia de relações de causa e efeito na nossa existência social. Assim, os comportamentos e reacções que temos no dia-a-dia assentam em modelos mentais incompletos e, ocasionalmente, enganosos.

Na verdade, o melhor que as ciências sociais têm para oferecer não é muito diferente. Os sociólogos – e economistas em particular – analisam o mundo através de quadros conceptuais simples que designam por “modelos”. Estes modelos têm por mérito o facto de explicarem a cadeia de causa e efeito, e, por conseguinte, tornarem transparentes os pressupostos específicos em que assenta uma dada previsão.

Uma boa aplicação das ciências sociais transforma as nossas intuições irreflectidas num mapa de setas causais. Por vezes, mostra como essas intuições, quando alargadas às suas conclusões lógicas, conduzem a resultados inesperados e surpreendentes.

Os quadros totalmente gerais, como o modelo de equilíbrio geral de Arrow-Debreu, tão caro aos economistas, são de tal modo amplos e abrangentes que se revelam inteiramente inúteis no que se refere a explicações ou prognósticos sobre o mundo real. Os modelos úteis das ciências sociais são, invariavelmente, simplificações. Deixam de fora muitos detalhes para se concentrarem no aspecto mais relevante de um contexto específico. A aplicação de modelos matemáticos por parte de economistas constitui o exemplo mais claro deste facto. Contudo, quer sejam formalizadas ou não, as explanações simplificadas são o pão nosso de cada dia dos sociólogos.

As analogias históricas estilizadas desempenham frequentemente um papel semelhante. Por exemplo, para os especialistas em relações internacionais, o célebre encontro de Neville Chamberlain com Adolf Hitler em Munique, em 1938, serve como modelo de como pode ser inútil (ou perigoso) apaziguar uma potência voltada para o expansionismo.

Contudo, constitui também uma armadilha, tão inevitável quanto a simplificação o é para a explicação. É fácil ficarmos apegados a modelos específicos e não conseguirmos reconhecer que novas circunstâncias exigem um modelo diferente.

À semelhança dos demais seres humanos, os sociólogos têm tendência para confiar excessivamente no seu modelo favorito. Tendem a exagerar o apoio a esse modelo e a não dar importância a novas evidências que o contradigam – um fenómeno conhecido como “viés de confirmação”.

Num mundo em que as circunstâncias são múltiplas e estão em constante mudança, os sociólogos poderão causar verdadeiros danos se aplicarem o modelo errado. As políticas económicas neoliberais, assentes em mercados funcionais, fracassaram nos países em desenvolvimento – da mesma forma que os modelos de planeamento, arvorando burocratas competentes e capazes, fracassaram no passado. Os responsáveis políticos deixaram-se arrastar pela teoria dos mercados eficientes que os incentivou a atingir uma desregulamentação financeira excessiva. Seria oneroso aplicar a analogia de Munique de 1938 a um conflito internacional específico, se a situação subjacente se assemelhasse mais à de Sarajevo de 1914.

Então, como escolher entre as diferentes simplificações alternativas da realidade? Os testes empíricos rigorosos poderão resolver questões tais como saber se a actual economia dos EUA padece mais de falta de procura keynesiana ou de incerteza política. No entanto, muitas vezes, é necessário tomar decisões em tempo real, sem o benefício de provas empíricas decisivas. O estudo que levei a cabo (com Ricardo Hausmann, Andrés Velasco e outros) sobre diagnósticos de crescimento é um exemplo deste estilo de trabalho, mostrando como se pode identificar, num contexto específico, qual o mais constringente entre uma infinidade de factores condicionantes do crescimento.

Infelizmente, os economistas e outros sociólogos não têm qualquer formação sobre a forma de escolher entre modelos alternativos. Tampouco esta aptidão é recompensada a nível profissional. O desenvolvimento de novas teorias e testes empíricos é considerado como ciência, ao passo que a capacidade de discernimento é claramente um ofício.

O filósofo Isaiah Berlin fez a célebre distinção entre dois estilos de pensamento que identificou com o ouriço e a raposa. O ouriço está preso a uma única grande ideia, que aplica continuamente. A raposa, pelo contrário, não tem uma visão muito ampla e tem múltiplos pontos de vista diferentes sobre o mundo – alguns chegam mesmo a ser contraditórios.

Podemos sempre prever a forma como o ouriço irá analisar um problema – tal como podemos prever que os fundamentalistas do mercado aconselharão sempre mercados mais livres, independentemente da natureza do problema económico. As raposas albergam teorias concorrentes, possivelmente incompatíveis. Não estão vinculadas a uma ideologia particular e é-lhes mais fácil pensar de forma contextual.

Os académicos que são capazes de cruzar diferentes quadros explicativos, consoante as circunstâncias, têm maior probabilidade de nos mostrar a direcção certa. O mundo necessita de menos ouriços e mais raposas.

 

Professor de Ciências Sociais no Instituto de Estudos Avançados, Princeton, Nova Jersey

Project Syndicate, 2014.

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