Passado um ano, os bancos continuam a ser a grande preocupação dos cipriotas

A economia de Chipre caiu menos do que o esperado no auge da crise, mas isso não impede que a taxa de desemprego esteja a caminho dos 20% e que o sector financeiro, a chave da retoma, esteja afundado em crédito mal-parado.

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Foi há um ano, que os bancos em Chipre fecharam Nuno Ferreira Santos

Demissão do governador do banco central, abandono do Governo por parte dos quatro ministros de um dos partidos da coligação, medidas exigidas pela troika chumbadas e depois novamente votadas no parlamento e manifestações permanentemente a ocupar as ruas. As últimas semanas têm sido de bastante agitação no cenário político e económico de Chipre, mesmo para os parâmetros já considerados normais num país pertencente à periferia da zona euro. Mas ainda assim, nada do que está agora a acontecer se compara com o cenário vivido no país há precisamente um ano, a partir de 15 de Março de 2013.

Foi nesse dia que o governo cipriota, depois de chegar a acordo com os parceiros europeus numa histórica reunião do eurogrupo, anunciou um plano de resgate que incluía o impensável: o contributo para o pacote de ajuda de 6,75% de todos os depósitos até 100 mil euros e de 9,9% dos depósitos acima desse valor.<_o3a_p>

De imediato, os bancos tiveram de fechar ao público, estabelecendo-se limites para os levantamentos nas caixas automáticas e para as transferências de dinheiro internas e para o exterior. Os media internacionais encheram Nicosia, a capital da ilha com pouco mais de um milhão de habitantes, à espera de ver o que aconteceria quando os bancos abrissem. Milionários russos correram para a cidade turística de Limassol, para tentarem salvar os depósitos que tinham feito nos bancos<_o3a_p>

Para os cipriotas foram tempos de grande incerteza, a começar pelo facto de não terem acesso à totalidade das suas poupanças e, em muitos casos, aos seus salários. Mas havia uma certeza: a economia de Chipre, que nas décadas anteriores tinha conseguido taxas de crescimento elevadas de forma consecutiva graças à expansão do seu sector bancário, ia ter de mudar abruptamente e os próximos tempos seriam de falências nas empresas, cortes nos salários e muito desemprego.<_o3a_p>

Um cenário inevitável, não só por causa das medidas de austeridade com que o Governo se comprometia para ser resgatado pelos parceiros europeus, mas porque o sector financeiro, cujos activos representavam em 2009 mais de nove vezes o PIB do país, ia encolher drasticamente num cenário de reestruturação e de controlo de capitais.<_o3a_p>

A Comissão Europeia, numa estimativa que era considerada por muitos analistas como demasiado optimista, apontava na altura para uma contracção da economia de 8,7% em 2013 e de 3,9% em 2014.  <_o3a_p>

Passado um ano, as previsões económicas, afinal não foram demasiado optimistas. A ideia geral entre os economistas em Chipre é a de que a reacção da economia à ameaça de colapso de Março do ano passado até foi bastante mais positiva do que aquilo que se temia. <_o3a_p>

Isso aconteceu, afirmam, porque Chipre teve a sorte de beneficiar, a partir da segunda metade de 2013, de um ambiente bastante mais positivo na crise da zona euro e porque as convulsões sociais que pareciam iminentes acabaram por não se verificar. “Não houve nada de tão grave como vimos na Grécia. Estamos muito mais perto da Irlanda do que estamos da Grécia em na forma como lidamos com a troika, afirmou o prémio Nobel cipriota Chritophoros Pissarides, em entrevista recente ao canal norte-americano CNBC. <_o3a_p>

Apesar desta sensação de alívio em relação aos desenvolvimentos em Chipre, a verdade é que basta olhar para os indicadores económicos registados no país para perceber que este ano foi de grande esforço e sofrimento para a população. A economia não perdeu os 8,7% previstos em 2013, mas caiu 6%, a maior quebra entre todos os países da EU. E para este ano, a Comissão Europeia até reviu em alta a contracção de 3,9% para 4,8%. No quarto trimestre de 2013, a economia continuava a cair, com uma redução do PIB de 0,8%.<_o3a_p>

A taxa de desemprego, que durante décadas não passou dos 5% em Chipre, saltou de 11,9% em 2012 para 16% em 2013. Este ano deverá aproximar-se da barreira dos 20%, diz a Comissão Europeia.<_o3a_p>

Todos estes resultados estão, como é natural, a criar tensões no sistema político. O presidente Nicos Anastasiades, que tinha acabado de ocupar o cargo quando explodiu a crise, resiste na liderança, mas a sua coligação governamental tem vindo a sofrer alguns rombos (também por causa da negociação com o lado sob domínio turco da ilha) e foi notória a dificuldade em fazer passar no parlamento o plano de privatizações exigido pela troika, uma questão que ameaça continuar a criar fissões no Governo e protestos nas ruas.<_o3a_p>

No entanto, o maior problema de Chipre e da sua economia continua a ser o mesmo de há um ano atrás: como resolver o problema de um sobredimensionado sector bancário e como fazer crescer a economia sem a muleta dos depósitos vindos do estrangeiro.<_o3a_p>

Apesar de no início da crise, o Governo prometer que os controlos de capital se iriam aplicar apenas durante alguns dias, a verdade é que ainda hoje se mantém. O objectivo definido é agora acabar com eles no final deste ano, mas a verdade é que continua a existir o risco de, depois de se ter assistido a vários clientes a perderem a maior parte dos depósitos acima de 100 mil euros que detinham, de se registar uma fuga de capitais, principalmente do maior banco do país: o Banco de Chipre.<_o3a_p>

Esta instituição financeira foi reestruturada e recebeu nas suas mãos os activos bons e as dívidas do falido banco Laiki. Durante os últimos meses, reduziu os seus custos e alienou a generalidade dos seus activos no estrangeiro, mas mantém problemas muito sérios, o principal dos quais é um volume de empréstimos mal parados (com atraso nos pagamentos superior a 90 dias) verdadeiramente assustador. No final do ano passado, 56% do valor dos seus créditos estava nessa situação.<_o3a_p>

Enquanto a banca, que é quase inteiramente dominada pelo Banco de Chipre (por sua vez detido em grande parte pelos antigos depositantes russos), não resolver os seus problemas será difícil esperar que a economia volte a crescer, já que precisa de investimento para encontrar uma alternativa. A esperança dos líderes cipriotas passa agora pelos testes de stress que irão ser feitos à banca europeia e que, se passados com sucesso, podem voltar a fazer com que o sector bancário de Chipre ganhe credibilidade, recuperando alguns dos depósitos perdidos. O clima de desconfiança – acentuado com a saída do governador do banco central este mês após um ano de lutas com o Governo – continua contudo a dominar e na cabeça dos investidores mantém-se uma pergunta: o que nos garante a crise do ano passado não volta a acontecer?

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