Incentivo a natalidade proposto por Passos Coelho exige mais emprego e mudanças na lei laboral

Primeiro-ministro promete apresentar plano de incentivo à natalidade em três meses, mas não especificou como irá pôr os portugueses a terem mais filhos.

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A autarquia quer assim combater a baixa taxa de natalidade no concelho e promover a fixação de jovens Daniel Rocha

Não se conhecem ainda os pormenores, mas o anúncio de Pedro Passo Coelho, neste domingo, no congresso do PSD, mostrou-se ambicioso quanto baste: criar uma comissão multidisciplinar, chefiada por Joaquim Azevedo, da Universidade Católica, para, em três meses, preparar um plano de acção na área da natalidade.

Falando numa altura em que o país soma muito mais óbitos do que nascimentos (no ano passado, entre Janeiro e Outubro, houve mais 18.232 mortes do que nascimentos), Passos Coelho não chegou a responder à pergunta mais óbvia: com que medidas se conseguirá pôr os portugueses a terem mais filhos? “É um desafio. Há experiências que se estão a fazer em Portugal e noutros países. É preciso avaliar o que está a resultar, mas não temos nada definido, a não ser que será preciso ouvir uma série de sectores e pessoas”, limitou-se a adiantar Joaquim Azevedo, ouvido pelo PÚBLICO.

Poucos minutos depois do anúncio, o secretário-geral do PS, António José Seguro, reagia, a partir de Santo Tirso, de modo igualmente lacónico ao que considerou ser “a única novidade” do congresso social-democrata: “A grande medida que ele tem para promover essa natalidade tem a ver com a necessidade de criar condições para que haja mais emprego e trabalho em Portugal e mais confiança para o futuro”. 

As tentativas de promover a natalidade têm surgido, de quando em vez, na acção governativa das últimas décadas. Porém, sem grande consistência. E sem grandes resultados também. Em 2009, altura em que os nascimentos ficaram pela primeira vez abaixo da fasquia dos 100 mil (99.491 bebés nascidos, contra 104.434 óbitos), José Sócrates adoptou os incentivos à natalidade como bandeira eleitoral. Em campanha para as legislativas, propôs-se, por exemplo, investir 20 milhões de euros no cheque-bebé. A ideia era atribuir 200 euros por cada bebé nascido numa conta Poupança-Futuro com benefícios fiscais. O cheque, no entanto, nunca passou dos discursos. A majoração do abono de família sim, mas por pouco tempo, já que, em Novembro de 2010, o que saltou para cima da mesa foram os cortes naquele subsídio. As novidades no apoio à maternidade voltaram assim a ficar reduzidas ao subsídio pré-natal, criado em 2007, precisamente no ano em que o país se alarmou com o primeiro saldo natural negativo, e atribuível a partir do quarto mês de gravidez, mas apenas aos agregados com rendimentos mensais brutos inferiores a 1989 euros.

Também em 2009, em Maio, o novo regime de protecção da parentalidade abria a possibilidade de as licenças pós-parto se alargarem até aos quatro meses pagos a 100% ou até aos seis meses remunerados a 83%, desde que um dos meses fosse gozado em exclusivo pelo pai.

A medida foi aplaudida, embora sem grande tradução prática no aumento da natalidade. Apesar de em 2010 os nascimentos terem voltado a ultrapassar os 100 mil (101.381), em 2011 baterem novo recorde negativo: 96.856 bebés. No ano seguinte, em 2012, o cenário voltou a piorar: 89.841 bebés. E, no ano passado, o sinal de alarme voltou a tocar bem alto: apenas 82.538 crianças nasceram em 2013.

Com anos de reflexão a propósito destes números, os especialistas de diferentes áreas desafiados pelo PÚBLICO a elencar medidas capazes de incentivar a natalidade convergem numa certeza: não é possível aumentar a natalidade sem intervir fortemente nas leis que regulam o mercado de trabalho. “O desemprego jovem, que afecta as pessoas em idade de ter filhos, a precariedade e a incerteza em relação não só ao trabalho mas também ao futuro condiciona e muito o projecto de ter filhos”, introduz Maria Filomena Mendes, da Associação Portuguesa de Demografia.

“A tónica dominante terá que ser a redistribuição do trabalho”, concorda a socióloga Margarida Mesquita, que lançou há dias o livro Parentalidade – Um contexto de Mudanças. Há estudos que mostram que, se as mulheres portuguesas pudessem ter os filhos que desejam, Portugal estaria próximo dos 2,1 filhos por mulher necessários para garantir a substituição das gerações. Aproximar a fecundidade desejada da fecundidade real implicaria, segundo Margarida Mesquita, várias medidas: “Reduzir o horário de trabalho, proporcionar maior estabilidade nos vínculos profissionais e fazer diminuir o stress que pais e mães acusam por sentirem que não têm tempo para os filhos, o que lhes causa culpa e frustração e os impede de avançar para o projecto de terem mais filhos”.

A flexibilização dos horários das creches e infantários seria outra medida fundamental, na óptica da investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Que não olha com grande simpatia a intenção, recentemente anunciada pelo ministro da Solidariedade e Segurança Social, Pedro Mota Soares, de fomentar o trabalho a tempo-parcial dos profissionais com filhos pequenos, recorrendo a verbas do QREN para compensar directamente as famílias pela perda salarial. “As mais penalizadas seriam as mulheres. Sairiam penalizadas em termos de progressão na carreira e arriscariam uma maior discriminação por parte dos empregadores”, discorda.

“Há muitos que defendem medidas facilitadoras da presença da mulher em casa, mas tudo o que vá nesse sentido será um enorme retrocesso em termos de igualdade de géneros”, corrobora Jorge Malheiros, especialista em migrações, para apontar também o mercado de trabalho como área de intervenção prioritária; “Teria que haver um discurso claro de incentivo à maior estabilidade no emprego, de combate aos contratos precários”.

Porque a preocupação com a natalidade foi debitada pelo mesmo Governo que, em 2011, desafiava os jovens a sair das respectivas zonas de conforto e a procurar trabalho no estrangeiro, Malheiros aponta também os fluxos migratórios como área a intervir. “Estão a emigrar milhares de portugueses em idade de ter filhos. Seria preciso apostar muito fortemente no emprego, de modo a que os jovens continuem cá, ou que, mesmo circulando para trabalhar, sintam que podem ter filhos aqui”. No reverso da medalha, os imigrantes estrangeiros “têm sido responsáveis por cerca de 10% dos nascimentos” em cada ano. Logo, “há-que garantir que Portugal continua a atrair imigrantes”.

Baby-boom em França
França conseguiu, em 2010, um número recorde de recém-nascidos: 828 mil bebés, o número mais elevado dos últimos 30 anos. Por detrás disto estão décadas de ajudas financeiras às famílias com dois ou mais filhos, traduzidas, por exemplo, na possibilidade de os pais interromperem a actividade profissional até um máximo de três anos. Benefícios fiscais, creches gratuitas nas escolas, descontos em restaurantes, supermercados, cinemas e transportes públicos, actividades extracurriculares a preços reduzidos são outros dos incentivos que conseguiram que, em 2011, as francesas tivessem em média 2,01 filhos.

São modelos transponíveis para um Portugal que, em 2012, registava apenas 1,28 filhos por mulher em idade fértil? “São e mais do que isso. Por que não reintroduzir os abonos, reforçando-os no caso do segundo ou mais filhos, e por que não conceder uma majoração na reforma ou a possibilidade de uma reforma um bocadinho mais antecipada para quem tenha filhos?”, sugere ainda Malheiros, para quem, desse modo, “não seria irrealista estabelecer o regresso aos 100 mil nascimentos por ano até ao final da década.

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