A ilusão

O risco grave vem do bloqueio do sistema político. E da ignorância, incompetência e falência ética do regime que degrada a relação entre o Estado e os cidadãos gerando conflitos e tensões sociais.

“As ilusões enlouquecem os homens" (Máxima hassídica)

Vivemos numa crise provocada pelo capitalismo financeiro dos mercados insaciáveis. Os resgates serviram para salvação da banca, que investe nas dívidas soberanas. A promiscuidade prejudica o Estado e os cidadãos que pagam com agonia a austeridade. Intolerável e insultuoso.

A Islândia não resgatou a banca, mas com moeda própria a economia recuperou e cresce a 2,7%. O desequilíbrio e inércia da zona euro com a política de austeridade agravaram a crise europeia (UE).

A subversão do projecto europeu pela deriva neoliberal acentuou assimetrias e ameaças à coesão. Sem aprofundar a integração e a democracia, é previsível a desagregação.

Nas circunstâncias da crise, o discurso político criativo - com liturgia do sucesso - procura a mistificação da realidade para iludir a opinião pública da política seguida que conduz ao empobrecimento. Os elogios da troika são um insulto à maioria dos portugueses no País com mais desigualdades da UE.

O debate político tem estado refém do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e da luta partidária, onde as pessoas são meros instrumentos num sistema político bloqueado e numa democracia sem cidadãos em que se violam promessas eleitorais e direitos legítimos.

As elites autocráticas promovem o discurso com dramatização da inevitabilidade das opções sem alternativa e factos políticos como manobra de diversão das medidas de austeridade.

A distorção da linguagem criou nova semântica sustentada no conflito de gerações e propaganda, com actos de dissimulação e manipulação. Tornar o inadmissível em aceitável para evitar a contestação.

O desejado programa “além da troika” foi aplicado como “revolução tranquila” (neo) liberal sem justiça social. Contudo, a troika é nefasta à salvação do “protectorado” – com o profético relógio digital – criando a ilusão de soberania. Mas é inevitável a vigilância coerciva da UE

O Estado de “emergência financeira” sem duração - não declarado e sem força de lei - tem gerado efeitos perversos e prepotência com sobreposições de competências de quem governa pela troika. A falta de conformidade com a Constituição enfraquece a legitimidade democrática e a autoridade do Estado.

O fracasso da política seguida levou à “recessão e ao incumprimento dos limites para o défice e para a divida” (Vítor Gaspar). Foram feitas revisões do PAEF e previsões, sem adesão à realidade, com degradação da economia. A flexibilidade da troika reflecte-se na cumplicidade da incompetência.

Todavia, a saída da troika não é o fim da austeridade que passa a ser a fatalidade da “nova normalidade” – moção da recandidatura do presidente do PSD – e exige habituação à pobreza. A excepção é o crescimento e a prosperidade. Anormalidade que reclama democracia. Importante não é ter menos, mas partilhar melhor como assegura o Estado social.

Declarar sucesso antecipado do PAEF é uma falácia deplorável. A ilusão de não reconhecer o fracasso da política de austeridade destrutiva – assumida por Vítor Gaspar na carta de demissão -, que a débil economia evidencia e os portugueses vão sentir por muitos anos.

O Governo tem a conivência da Comissão Europeia que, por conveniência eleitoral, altera a retórica da crise, anunciando Portugal como “caso de sucesso” para disfarçar os erros. Ilusão do sucesso.

É imperativo falar verdade, sem demagogia, explicando por que houve mais recessão, trágico desemprego, vaga de emigração e foram exigidos o dobro dos sacrifícios necessários, sem equidade e subvenções milionárias. E a manutenção da classificação de lixo pelas agências de rating

Os cortes nas pensões, com efeito após as eleições europeias, não escondem o crescente desespero da sociedade fragmentada e sem confiança nos partidos. Ignóbil encenação eleitoralista.

O Primeiro-ministro (PM) ameaçou com o segundo resgate sobre um acórdão do Tribunal Constitucional (TC), por não ser possível a diminuição da despesa de forma sustentada. Ainda assim, a despesa cresce, mesmo com um enorme aumento de impostos. Inaceitável depredar os cidadãos e o Estado!

A previsível saída da troika, sem Programa cautelar, tem custos pelo eleitoralismo irresponsável acima dos interesses nacionais. Quem vai pagar o financiamento com taxas de juro da divida pública incomportáveis?

Alguns indicadores melhoraram. Contudo, não significam ainda a saída da crise – como vozes autorizadas se pronunciaram – nem o sucesso da governação. O “milagre económico” é ilusão que afronta.

A punição da austeridade inesquecível – “sacrifício de mais para tão pouco resultado” (Silva Peneda) -  tem sugado a “alma” lusitana com impostos e confisco dos salários e pensões. Mas são intocáveis os interesses privados. Quais os “limites para os sacrifícios” (Presidente da República)?

O país está mais endividado pelo peso dos juros com uma economia mais fragilizada. A saída da crise exige o equilíbrio entre o rigor orçamental, a urgência do investimento produtivo e o financiamento competitivo das empresas que assegurem crescimento económico e emprego.

O PM sabe que o sucesso do ajustamento é mistificação por não se atingirem os objectivos iniciais. Com a excepção da correcção do desequilíbrio externo as contas públicas não estão em ordem. O controlo da divida falhou pelo descontrolo do défice e do PIB (rácio de 129%, devia ser 115%,) sendo inexoravelmente insolvível. Só a renegociação garante sustentabilidade. Onde está o crescimento previsto de 2,5%?

A taxa de desemprego devia ser 12,5 %, mas é cerca de 20% com os inactivos disponíveis, o subemprego e os que emigraram. O “sucesso” do défice não é a meta inicial (3%). Resulta do empobrecimento, pesada carga fiscal, receitas extraordinárias e excedente da segurança social. Haverá sucesso num esforço brutal de 4,7 mil M€ para apenas 1,4 mil M€ de consolidação orçamental?

O desafio é assegurar a consolidação da redução do défice depois de repor os cortes iníquos. E concretizar as reformas estruturais por fazer ou falhadas, anunciadas num Guião inconsequente sem metas.

Porém, os novos desafios não legitimam a arrogância das elites do poder a reduzir o Estado à irrelevância afectando as suas funções essenciais o que anuncia uma crise de segurança.

Ao ouvir a liderança bicéfala do Governo tem-se a dolorosa sensação de falsa convicção da representação da Pátria, de quem fala em português mas não para Portugal. Reescrevem o passado e projectam miragens do futuro. Fingem que se decide sem decidir. A ilusão do poder.

Permanece o discurso incoerente e calculista sobre os consensos e compromissos – o PM não precisava do PS mas quer um “memorando”-, que são a base de entendimento para conseguir sustentar o exigente “pós-troika”. O País reclama concertação política e social alargada para não hipotecar o futuro.

A oposição não se deve isentar de alternativa patriótica e credível ao exercício do poder. O que bloqueia a alternativa não é a disponibilidade para governar. Mas as escolhas lúcidas, das grandes opções para melhor governação de Portugal na Europa. Ou seja, uma política que assegure o crescimento económico e proteja os interesses permanentes e públicos servindo os cidadãos.

Os dirigentes políticos não estão interessados em compromissos, mas na salvação do clientelismo da partidocracia. Não se pode acreditar no que dizem nem no que escrevem. Imaginável distorção dos valores em que palavra do político não tem valor. A honra e a dignidade também não. É gente não confiável.

“Como é possível manter um Governo em que o primeiro-ministro mente?” (Pedro Passos Coelho em campanha)? Resta utilizar a força da razão usando o voto como a verdadeira “arma” da democracia.

O risco grave vem do bloqueio do sistema político. E da ignorância, incompetência e falência ética do regime que degrada a relação entre o Estado e os cidadãos gerando conflitos e tensões sociais.

Nesta pesada encruzilhada como Nação e Estado é necessário manter a solidariedade, no compromisso, para enfrentarmos com coragem e patriotismo o desígnio nacional que é lutar pelo futuro de Portugal.

Capitão-de-Fragata SEF (Res.)

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