Linda Martini é esperança

Foi um concerto celebratório, o dos Linda Martini, nesta quinta-feira, no Lux, com uma convidada especial: Gisela João.

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Nuno Ferreira Santos
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Linda Martini Lisboa. Lux. Quinta. Às 23h00. Sala esgotada. 4*

Há grupos rock que em determinadas alturas conseguem fixar o turbilhão de emoções desencontradas que pairam no agreste das ruas, atribuindo-lhe um sentido em palco, transmitindo-o à plateia e, às tantas, músicos e assistência estão no mesmo furacão, funcionando aquele ritual como possibilidade de superação.

Não são muitos grupos rock. Nem há muitos momentos assim. Em Portugal, nesta conjuntura, existe um grupo que consegue concretizar isso, pelo menos quando pensamos num público mais ampliado. Os Linda Martini não são novatos. Têm dez anos de carreira. Mas dir-se-ia que nunca como na actualidade o que transmitem parece encontrar tanta receptividade do outro lado.

Há qualquer coisa de celebração geracional nos seus concertos e, ao mesmo tempo, de seta apontada para o futuro. É estranho, mas é mesmo isso. Sai-se de um concerto do grupo e pensa-se em algo que hoje ninguém consegue: projectar esperança.

Não são políticos. Não têm mensagens. Não é isso. E no entanto, olhando para o palco e para a plateia, é impossível não vislumbrar que ali se pratica a sublevação, a revolta existencial, a possibilidade de cantar a frustração e os conflitos, mas com um alento tal que transcende o mundo que soçobra em redor.

Nesta quinta-feira à noite foi assim no Lux, em Lisboa, e na sexta deverá sê-lo também, com ambas as datas esgotadas, e um sabor de acontecimento especial a pairar no ar. Porque havia uma convidada – a fadista Gisela João –, mas essencialmente porque os concertos dos Linda Martini se transformaram por estes dias em rituais galvanizadores, com toda a gente a cantar as letras das canções e com o som a agarrar-se à pele, libertando prazer.

Eles não propõem novos mundos sonoros ao mundo, são antes o tipo de grupo rock que aposta na exposição sem cinismos, fazendo-o bem e com grande empenho. Cláudia Guerreiro, no baixo, e Hélio Morais, na bateria, progridem para ritmos mais ríspidos ou mais balançados, conforme as canções, enquanto André Henriques, na voz e guitarra, e Pedro Geraldes, na guitarra, impõem mudanças de intensidade. Por vezes, quando as canções são mais eufóricas, gritam todos na mesma direcção.  

O baterista Hélio Morais funciona como o principal mestre-de-cerimónias, interagindo com o público, espicaçando-o, mas sente-se que não existe alguém que se destaque. Há um colectivo, que tanto procura melancolicamente, de início, a desconstrução do rock (Queluz menos luz), como explode para as canções do mais recente álbum Turbo Lento (Sapatos bravos, Ratos, Febril, Juárez ou Panteão, dedicado a Tó Trips) ou expõe canções onde a poesia introspectiva desemboca em momentos de euforia sónica (Partir para ficar, com dedicatória a José Mário Branco).

E há também canções mais rendilhadas e complexas, como Volta, abrindo caminho para a entrada em cena de Gisela João, que se adaptou sem dificuldade ao registo roqueiro, mas envolvente e erotizante de As putas dançam slows. Em Pirâmica, a cantora dança e salta, ameaçando lançar-se para cima do público, acabando por fazê-lo no final da interpretação de A corda do elefante sem corda, com toda a gente em delírio.  

E para o final existe ainda uma surpresa, com Gisela João a fazer de António Variações, em Adeus que me vou embora, com o quarteto a suspender o som, sobressaindo o vozeirão da cantora.

A sua participação apenas surpreenderá quem não a conhece. Ecléctica, camaleónica, adaptando-se sem dificuldade ao rock, às electrónicas ou ao fado, porque existe a sua voz. Não espanta que um dos seus desejos seja trabalhar com o produtor Brian Eno, talvez o maior mestre contemporâneo do esculpir do silêncio.

Depois da saída de Gisela João ainda espaço para mais duas canções – Amor combate e Cem metros sereia. Dois momentos de catarse, com emoções, caos, falhas, festa, músicos a voarem por cima da plateia, público a subir ao palco e a manter as canções vivas quando os músicos já não estavam lá e toda a gente a cantar a plenos pulmões “o nosso amor é um combate”.

 

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