“Alô? Tenho à minha frente o seu netinho Rui Pedro, está a comer um gelado”

Ricardo Sá Fernandes contou em tribunal como foi enganado por burlão – e não foi o único. O procurador Rosário Teixeira e até a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal também terão caído no logro.

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O advogado Ricardo Sá Fernandes admite ter sido completamente enganado. Só o consola saber que não caiu sozinho no logro. “Além de mim, foram enganados polícias, procuradores, a família da criança…”, contou esta quinta-feira em tribunal.

A criança é nada mais nada menos do que Rui Pedro, o menino de Lousada que nunca mais ninguém viu desde 4 de Março de 1998, tinha então11 anos. O caso revelado esta quinta-feira nada adianta sobre o seu paradeiro, mas ajuda a desvendar alguns dos traços da personalidade de um burlão que está a ser julgado no Campus da Justiça por falsificação de documentos. “O que mais me impressionou foi aliar uma imaginação prodigiosa a uma crueldade gratuita”, observou Sá Fernandes.

Rui Pedro estava desaparecido há cerca de cinco anos quando o advogado é informado de que existe um homem preso em Pinheiro da Cruz que sabe do paradeiro da criança. Mas que não confia em ninguém, nem sequer nas autoridades, estando na disposição de lhe revelar apenas a ele as informações que tem. Ricardo Sá Fernandes recordou que foi numa sala que havia no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) que José Lorosa de Matos lhe contou – durante uma saída precária da cadeia, onde se encontrava já a cumprir pena por burla – que fora gente ligada à noite de Viseu que levara o menino, que depois tinha ficado à guarda da proprietária de uma mercearia em Inglaterra. Perante a então directora do DCIAP Cândida Almeida e o procurador Rosário Teixeira, e à frente da família, o burlão prometeu que ia buscar a criança, recordou anos mais tarde o pai do menor.

O facto de Lorosa de Matos estar naquela altura prestes a poder gozar de liberdade condicional convenceu praticamente toda a gente de que não podia tratar-se de um estratagema para fugir da cadeia, explicou esta quinta-feira Sá Fernandes. Dinheiro não pediu, apenas quis um carro alugado e um cartão para telefonar, logo disponibilizados pelo avô da criança. Com o conhecimento das autoridades e outra saída precária, desta vez de vários dias, o burlão começou por ir a Espanha, dizendo no regresso que havia confirmado que Rui Pedro estava mesmo no Reino Unido.

“Trouxe-me umas fotos, provavelmente tiradas da Internet”, recordou o advogado. Quando Lorosa de Matos anunciou que ia a Inglaterra, o avô de Rui  Pedro instalou-se numa pensão em Lisboa, para receber as novidades sobre a criança ao mesmo tempo que o advogado, que era com quem o burlão contactava. Um desses dias o telefone tocou: “Alô? Tenho à minha frente o netinho do sr. Teixeira, está a comer um gelado.” Sá Fernandes admite ter chorado de emoção com o idoso. Só à medida que os dias seguintes passavam e nada de mais notícias, nem de contactos de Lorosa de Matos com as autoridades para resgatar o menino, como havia ficado combinado, as suspeitas começaram a crescer.

“Percebi que nunca tinha saído de Portugal. Nunca mais voltou para a cadeia, desapareceu. Enganou-me a mim, à polícia, ao Ministério Público, à família de Rui Pedro… Era muitíssimo convincente. E eu sou profissional, ando nisto há muitos anos!”, observou o advogado, explicando que até os nomes usados pelo presidiário na sua história – dos homens da noite de Viseu, mas também da inglesa proprietária da mercearia – existiam de facto.

Hoje o manobrador de máquinas que se fez passar várias vezes por agente da Judiciária e da Interpol e tinha múltiplas identidades falsas está outra vez atrás das grades, e só sai da cadeia para responder em tribunal por sete crimes de falsificação de documentos. Mas duas magistradas do Departamento de Investigação e Acção Penal que se envolveram com ele – tal como sucedeu com várias outras mulheres – e são acusadas de lhe terem fornecido informações sigilosas para o ajudarem respondem não apenas por este delito, como também por abuso de poder e violação do segredo profissional, entre outros crimes.

 
 
 
 

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