Depois da troika e das europeias

Não precisamos de mudança no PS, precisamos de mudança política no país e na política europeia.

Há feridas abertas que doem cada vez mais, uma espécie de feridas crónicas, sem perspectiva de uma verdadeira cura, embora haja no seio deste pequeno mundo quem apregoe ao vento que a cura já chegou! E, ainda que não pareça, não estamos em tempo de revolta, porque se estivéssemos seria uma revolta conformada. A sinalização interna não passa de escaramuça sem chama.

Depois da troika e das europeias tudo deveria ser claro e diferente, mas o Presidente da República já demonstrou que tudo irá continuar como está. Neste nosso pequeno mundo falta o fogo da esperança e a que existe parece traduzir mais uma ânsia de oportunidade interna mais ao estilo de uma certa esquerda do PS.

O Governo regozija-se, mas ficamos sem saber porquê! São escassas as boas notícias e no ciclo político a dívida aumentou brutalmente, o desemprego é o maior de sempre, as falências não param e o país empobreceu. A ténue luz que se acendeu no fundo do poço precisa de oxigénio para se não apagar. E no PS uma certa pretensa esquerda, em vez de ajudar a denunciar a situação, intriga e exige nas europeias uma vitória por KO. Não fica bem! Melhor fora que pedissem aos portugueses a derrota por KO de quem assim nos governa.

Aos pensionistas vão reduzindo os rendimentos e o mesmo rendimento é duplamente tributado pela via do IRS e da CES, porque a CES, contribuição extraordinária de solidariedade, não é mais do que um imposto sobre o rendimento. E no PS, em vez de se dar força ao secretário-geral, que tem vindo a denunciar a situação, ameaça-se com o “machado de guerra” e exige-se uma grande vitória nas europeias na ilusão de que o povo não tem memória.

Aos funcionários públicos reduzem os vencimentos. Tudo isto em nome da redução do défice pela via da diminuição da despesa, mas, entretanto, neste início de ano, uma empresa do Estado compra/aluga em ALD, mais de 250 carros e ainda acresce que num só ano a rubrica "outras despesas correntes", passa de uma despesa de 1,1 mil milhões de euros para 1,9 mil milhões de euros sem qualquer explicação. E no PS os ilustres figuras da dita ala esquerda nada dizem sobre esta matéria, mas espreitam o pior dos mundos, porque a seguir tudo será melhor, só faltando saber para quem.

As opções do Governo no corte da despesa são ideológicas e traduzem intencionalmente o empobrecimento dos portugueses, vítimas da irresponsabilidade da governação de hoje e de ontem. Há outras formas de cumprir o défice de 2014 sem cortar vencimentos e pensões. Reduzam-se 800 milhões de euros na despesa –rubrica "outras despesas correntes" – e diminua-se a dotação provisional de 525 milhões de euros para 150 milhões e a solução está encontrada. Há mais de um mês que já referi esta situação, saúda-se a atitude da dra. Manuela Ferreira Leite, que também comunga do mesmo, referenciando o excesso na dotação provisional.

Precisamos de ventos de mudança e infelizmente ainda há quem insista como o Governo em nada mudar. Confundem o verbo mudar com o verbo cortar. Cortam pensões, em vez de assumirem uma mudança no financiamento através do alargamento da base tributária. Cortam salários, em vez de promoverem uma mudança que configure uma verdadeira reforma do Estado.

O Presidente da República na saída da troika e depois das europeias deveria exigir um diálogo aberto entre todos os partidos quanto a uma verdadeira reforma do Estado. Os sacrifícios não terminam com a saída da troika e, se os portugueses vão ter de continuar a sofrer, impõe-se a manifestação da sua vontade.

Precisamos de coragem para reequacionar um debate sobre as funções do Estado e o Governo até agora nada fez de relevante quanto a uma verdadeira reforma de que o país precisa.

O PS tem de se assumir como o motor desta mudança. Há uma certa esquerda no PS, que alguns classificam de fixista, pretensamente moralista, que demagogicamente esquece que de esquerda é o PS. O país continua a precisar de reformas e este Governo já demonstrou ser incapaz de as implementar. Os problemas do país estão muito longe de estar resolvidos e o PS mais tarde ou mais cedo vai com o dr. Seguro ter obrigatoriamente de os resolver.

Vamos ter necessidade de mais austeridade, mas esta tem de ser criteriosa, despejada de motivação ideológica, que contrarie o empobrecimento dos funcionários públicos e pensionistas. Cortar sim nas tais gorduras do Estado que as há e ainda são muitas. A esquerda do PS tem de contribuir com propostas credíveis e exequíveis no âmbito das restrições financeiras existentes. Redistribuir sim, mas a riqueza que produzirmos. Não é mais possível redistribuir através de um modelo de endividamento que conhecemos da última década.

As dificuldades de financiamento do Estado vão continuar. Quando se tem um endividamento público com a dimensão do nosso, cerca de 129% do PIB, é inevitável e evidente uma total dependência dos credores, da qual resultam custos que são consequência da variação das taxas de juro, que mais tarde ou mais cedo tenderão a uma subida. Ainda há quem se iluda e pense que os bancos têm os cofres cheios e que de novo regressaremos ao financiamento a baixas taxas de juro e que a toda a procura de recursos responderá sempre uma oferta a baixo preço. Que Deus lhes valha. Há quem não aprenda com os erros recentes!

Seria bom, mas não vislumbro a forma de nos libertarmos de um programa cautelar, uma espécie de seguro de vida, que garanta, independentemente das oscilações de mercado, taxas de juro aceitáveis no financiamento do Estado e no cumprimento das suas pontuais responsabilidades, sobretudo enquanto os Estados soberanos não poderem ser financiados no mercado primário, isto é, no BCE. Não precisamos de mudança no PS, precisamos de mudança política no país e na política europeia.

Economista e ex-deputado PS
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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