Feira vocacional vai às escolas ensinar jovens a “sobreviver de salto alto e gravata”
Na feira de orientação vocacional, para além do estudo, algumas das dicas deixadas aos alunos da Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa, para ingressarem no mercado, foram o voluntariado, o associativismo, e o espírito de iniciativa.
Até ao final de Junho, a feira de orientação vocacional Inspiring Future deverá chegar a cerca de 40 mil jovens, dos 16 aos 19, auxiliando-os a escolher um curso e a pensar no que querem fazer no futuro. Participam na iniciativa, que decorre nestes moldes pela primeira vez e que para ano deverá estender-se a outras zonas do país, instituições de ensino superior e empresas.
“O mercado está mesmo mau”, começa por lhes dizer Eduardo Filho no início do workshop Como sobreviver de salto alto e gravata. De seguida pergunta-lhes: “O que estão a fazer por vocês agora?”. Os jovens respondem timidamente: “Estudar”. “E acham que estudar chega?”, devolve-lhes Eduardo Filho.
“Se eu não fizer nada de diferente vou ser igual à pessoa ao meu lado. A maior parte dos recrutadores vêem currículos iguais todos os dias”, diz. “Mas fazer o quê?”, pergunta uma aluna. Estágios, associativismo, e voluntariado são apenas algumas das sugestões de Eduardo Filho. “Cada vez mais uma licenciatura hoje não chega”, nota, salientando que devem fazer estágios de Verão, mesmo que não sejam remunerados, porque o importante é “ganharem experiência”. E lança-lhes mais uma questão: “Querem ter um emprego assegurado ou algo que gostem mesmo de fazer?”
Eduardo Filho mostra-lhes as vantagens do “espírito de sacrifício” e dá-lhes como exemplo Cristiano Ronaldo: “Nada se consegue sem esfoço. Acham que simplesmente nasceu a saber jogar futebol?”. Incentiva-os a irem “atrás dos sonhos”.
A “palavra da moda” acaba por chegar: “Fala-se muito em empreendedorismo. Sabem o que é? Há muita gente que põe no currículo que é empreendedor e depois quando lhes perguntam porquê não têm resposta”, diz.
As respostas dos jovens são várias: “É por exemplo começar uma empresa só si”; “É tentar competir com uma ideia nova, desenvolvê-la”; “É concretizar uma ideia útil ao mundo, não uma ideia parva”.
Mariana Martins, 18 anos, quer seguir teatro, o pai não acha graça. “Mas não me consigo imaginar a fazer uma coisa que não gosto”, diz a jovem, garantido que depois do workshop se sentiu motivada para finalmente começar a fazer voluntariado na União Zoófila. Sobre as pessoas que querem seguir áreas como teatro e música, Eduardo Filho diz que as oportunidades estarão lá fora: “Não estou a dizer para emigrarem, mas podem encontrar lá fora essas oportunidades e serem felizes”, nota.
Insiste que não devem desistir, mesmo quando as coisas correm mal. Que devem definir objectivos, que não devem ter medo de errar, que devem causar uma primeira boa impressão. “Podem ter um currículo excelente, mas se eu achar que são uns panhonhas, chatos, secantes, garanto-vos que não vão ser empregados”, avisa-os. E provoca-os: “O que é que vocês acrescentam ao mundo? As pessoas podem ser trapalhonas, aluadas, mas têm de acrescentar algo ao mundo. Não estou a dizer isto para ficarem tristes”, ressalva. “Nenhuma empresa quer um marrão com média de 19 a tudo e que depois não sabe abrir a boca para dizer nada. Têm de fazer outras coisas”, sublinha.
Como concorrer
Na escola, para além de poderem visitar stands de várias instituições, os alunos ouviram uma palestra, na qual Eduardo Filho, que também faz parte do gabinete de acesso ao ensino superior do ISCTE-IUL, lhes deu a conhecer o site da Direcção-Geral do Ensino Superior e os informou sobre candidaturas, contingentes especiais, calendários, pré-requisitos, exames, fases, notas mínimas, entre outros dados.
Eduardo Filho aconselha-os ainda a consultarem os próprios sites das instituições de ensino superior, os planos de estudo dos cursos, a visitar as instalações das faculdades, a pedir opinião de pessoas relacionadas com a área que pensam seguir. Os alunos fazem poucas perguntas e as que fazem nunca são sobre que áreas têm mais ou menos saída. O que eles querem saber é que regras existem para mudanças de curso, quando saem os resultados, como se escolhe o horário pós-laboral.
As escolas não pagam pela presença da Inspiring, nem as instituições de ensino superior - que também deram palestras - pela participação. O evento, garante Eduardo Filho, não tem fins lucrativos e é suportado por patrocínios e parcerias, tais como com a empresa Education First Portugal; Microsoft Portugal; Fórum Estudante; entre outras.
Instituto Superior Técnico, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Nova School of Business and Economics, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Universidade Lusíada e Escola de Superior de Saúde da Cruz Vermelha são algumas das entidades que se juntaram à iniciativa. Empresas como PWC, Deloitte, Adecco, BES, Ana Aeroportos e SAPEC, também se associaram, na qualidade de potenciais empregadores e de forma a clarificar que tipo de perfis e competências são valorizados.
Os jovens puderam participar ainda nos workshops Mexe-te, To be or not to be? Como tomar uma decisão, Superior…aqui vou eu! e Como sobreviver de salto alto e gravata. “O grande factor diferenciador desta feira são estes workshops, onde os alunos terão oportunidade de desenvolver competências como a sua autonomia, espírito empreendedor, pró-actividade, assertividade e capacidade relacional”, diz Filipa Cunha, responsável pedagógica da Inspiring Future.
Todos os alunos da escola estavam convidados a espreitar a feira, embora as palestras e workshops fossem especificamente dirigidas aos alunos do 12º ano. A escola tem 1146 alunos, do 8º ao 12º ano, cerca de 250 dos quais no 12º ano.
“A licenciatura só por si não chega, já nem o mestrado. As pessoas precisam de se mexer, de saber desenvolver um projecto seu. E errar não tem mal, nós aprendemos com os erros e aprendemos a ser melhores”, diz Eduardo Filho que não valoriza muito a questão da empregabilidade dos cursos. Justifica que os jovens para quem está a falar só vão sair das faculdades daqui a três ou cinco anos e que, nessa altura, o mercado de trabalho pode estar diferente: “O mercado de trabalho é volátil. Nem toda a gente quer ir para Informática ou Medicina”, diz, salientando que o mais importante é os jovens “fazerem o que gostam”. “Se eles não gostarem do que vão fazer, vão ser infelizes”.
Tomar decisões
Filipa Cunha deu o workshop chamado To be or not to be? Como tomar uma decisão?. Motivou-os a pensar no que gostam, naquilo que os apaixona, que lhes dá prazer. Depois, no que têm jeito. A isto, deve juntar-se uma reflexão sobre a área em que estão e a média que têm. “Quando tiverem 30 anos, onde é que querem estar?”, pergunta-lhes.
Entre outras dicas, Filipa Cunha diz-lhes que conhece pessoas que repetiram o 12º ano com o intuito de subir a média: “Não é o drama e o horror. Não são menos gente por causa disso. Não estou a incentivar a isso, apenas a dizer para tomarem a opção correcta, vejam lá o que vão dizer lá para casa!”, avisa, ressalvando mais adiante que o curso que se tira também “não é assim tão taxativo como isso”. De uma forma geral, aconselha-os a recolher informação, a perceber qual é variedade de cursos existentes, a falar com alguém da área.
Muitos dos alunos ainda estão perdidos. Filipa Pires, aluna de 18 anos do 12º ano de Línguas e Humanidades, queria “algo ligado à Psicologia, mas ainda sem certeza”: “Gostava de Psicomotricidade, trabalhar com pessoas com deficiência, mas tinha de fazer exame de Biologia”, conta. Em cima da mesa, estão duas opções: “Talvez entrar em Psicologia e fazer mestrado nesta área ou licenciatura em Educação Especial e depois mestrado na área”. “A minha mãe diz para escolher o que gosto e para não escolher outros cursos só porque têm mais saída profissional. Mas o de Psicomotricidade tem alguma saída”, acrescenta. Ao lado, Solange Martins, 18 anos, está indecisa entre Turismo e Marketing: “Mas a média atrapalha-me”, diz, acrescentando que este ano quer subi-la de 13 para pelo menos para 14.
No final do workshop To be or not to be? Como tomar uma decisão?, José Carvalho, professor de Direito e Sociologia, chama os alunos à terra: “Para mim é tudo muito bonito, mas as pessoas têm de pensar numa área em que tenham trabalho. Não é que não devam ter paixão, mas depois sem um posto de trabalho, só se tiverem ajuda dos pais ou dos avós. Deve haver uma ponderação entre o que se gosta e o que tem saída”, defende.
Mariana Lacerda, 17 anos, concorda: “Se é uma coisa que vou fazer para o resto da vida, convém ter emprego”. Já Rita Pires, 17 anos, discorda. “Prefiro demorar e fazer o que gosto do que fazer um curso só porque tem saída. Uma pessoa faz melhor o trabalho se gostar do que faz e quando há paixão o dinheiro vem na mesma”, diz a jovem que quer ir para Gestão Hoteleira e já fez estágios de Verão em hotéis, na organização de eventos, em contabilidade e secretariado. Conta que o primeiro que conseguiu foi através de um contacto familiar, mas que das outras vez foi a eventos e conferências e pediu directamente aos responsáveis para a aceitarem por um período de estágio.