O tricot está a renascer e os homens também gostam

Tricotar os próprios cachecóis ou camisolas está na moda; é um passatempo relaxante e até pode viciar. Que o digam João Villas-Boas e André Castro, tricotadores compulsivos, e Filipe Almeida Santos, co-fundador do Gang da Malha

Fazer peças de roupa em tricot era coisa que estes homens nunca imaginavam — a malha parecia-lhes impossível de trabalhar e usar várias agulhas ao mesmo tempo era um feito inalcançável. Até que um dia aprenderam a tricotar: João Villas-Boas usou o YouTube, assistindo a vídeos de aulas; André Castro fez um "workshop" numa loja e Filipe Almeida Santos criou encontros de tricot.

João, André e Filipe são homens e levam a malha a sério: fazem cachecóis, meias, camisolas, xailes, luvas. Aproveitam para relaxar enquanto tricotam — os movimentos repetitivos são bons para pensar e conhecem outros homens que também o fazem. O tricot há muito que não é um passatempo destinado a avós e tias mais velhas. “Estamos a assistir ao renascer do tricot: há muita gente que já tinha feito, há muitos anos, e que tem vindo a retomar”, considera André, de 29 anos.

João Villas-Boas aprendeu a tricotar em 2009, ainda que tivesse tentado algumas vezes antes, sem sucesso. Depois de uma cirurgia viu-se obrigado a ficar em casa durante uns tempos e, na altura, decidiu procurar vídeos dedicados ao tricot. Seguiu tutoriais e foi aprendendo, passo a passo, vendo outros fazer. “Por ter aprendido na Internet nem sequer sei fazer à ‘maneira portuguesa’, isto é, não passo a linha por cima do pescoço nem uso uma pregadeira. É directamente do novelo para as mãos”, conta ao P3 o jovem actor.

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André Castro, violinista de 29 anos, já tricotou dezenas de peças Ana Marques Maia

Começou por fazer um cachecol, com aumentos e diminuições, e logo passou para peças mais complicadas: gorros, carapins, xailes. Aprendeu “os esquemas e a nomenclatura muito rapidamente” e deitou mãos à obra: fez para si, para oferecer e até chegou a ter encomendas. Com 31 anos, João confessa-se viciado no tricot. Tem vários tipos e tamanhos diferentes de agulhas — trabalha “sempre com agulhas circulares e com um cabo desmontável” — e “gavetas e gavetas cheias de novelos de lã”. “Quando entro numa loja e vejo um novelo de que gosto compro. Às vezes nem tenho nenhum projecto mas guardo para uma ocasião futura.”

Não é o único a comprar novelos e meadas quase compulsivamente. André Castro, violinista do Porto, tem um armário repleto de lã de várias cores, que vai coleccionando sempre que viaja. Há quase três anos que preenche os tempos livres com o tricot e já conta com dezenas de peças no currículo de “tricotador”. A mais complexa de todas? Um xaile com dois metros, encomenda de uma amiga que lhe levou três meses (e muita técnica) a fazer.

Vender não compensa

Hoje em dia, o também professor de música já quase não faz para vender. “Rapidamente vi que o trabalho que as coisas dão não compensa para o que podemos pedir por elas”, reflecte. André pensa e cria peças para o seu guarda-roupa, como o casaco verde de lã e alpaca que vestia quando o P3 o entrevistou (vê o vídeo). Já chegou a tricotar oito e nove horas seguidas e tem sempre vários projectos em desenvolvimento, para ir trocando e nunca se fartar.

João tricotou tanto que se viu obrigado a parar durante cerca de um ano. “Tive uma encomenda muito grande que coincidiu com uma altura complicada e fiquei ‘torto’ dos meus ombros. Agora já voltei a aprender a relaxar, mas houve uma altura em que sempre que pegava ficava com um nó”, explica. “Quando não há padrões complicados e entramos na peça até podemos ver televisão e conversar ao mesmo tempo.”

Quando não encomenda lã da Internet, compra material na Ovelha Negra, uma loja na Baixa do Porto onde André aprendeu a tricotar num dos vários “workshops” que a proprietária, Joana Nossa, dá. Para André, a maior dificuldade é mesmo encontrar bons modelos para homem: as revistas especializadas têm muito mais oferta para o público feminino. E as poucas que apostam no masculino não têm um estilo muito actual. Está a fazer uma camisola num estilo mais rústico e sem costuras, em circular, algo que, pensa, não é ainda comum em Portugal.

Filipe e o Gang da Malha

“Sempre me fez confusão como é que as malhas se aguentavam e não se desfaziam”, começa por dizer Filipe Almeida Santos, arquitecto das Caldas da Rainha. Há alguns meses, em conversa com a amiga Zélia Évora (entusiasta das malhas e participante assídua nos “workshops” da Retrosaria, de Rosa Pomar, em Lisboa), surgiu a ideia de “dinamizar um grupo de tricot em público”, conta ao P3. “O objectivo era tirar as pessoas de casa e levá-las para o espaço público no fim de jantar. Trocar as novelas pelos novelos, no fundo.”

Assim, a terça-feira é dia de tricotar num café daquela cidade. “A malta mais nova tem algum interesse pelos ‘arts and crafts’ e as senhoras mais velhas têm muito que ensinar”, considera Filipe, de 37 anos. Aprendeu a tricotar num dos encontros do Gang da Malha, tal como muitos dos membros desta espécie de comunidade que também quer revitalizar os cafés das Caldas da Rainha. “Aparecem casais e muitos homens”, garante, e o conceito do projecto já está a ser replicado noutras cidades do país, como Leiria, Pombal, Seixal, Murtosa.

Ainda só sabe fazer um tipo de malha — “a outra ainda é muito complicada” —, mas está contente por ter conseguido perceber o “mistério” do tricot. Por falta de tempo, Filipe não tricota em casa; guarda a vontade para as terças, que se transformaram no dia terapêutico. O que mais gostava de conseguir tricotar? “Meias de lã, daquelas feitas com quatro agulhas. É algo quase inalcançável, nem me passa pela cabeça tentar fazer. Ainda!”

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