Julgamento do caso Bolshoi foi adiado

O alegado mandante do ataque ao director artístico da companhia russa volta a dizer aos jornalistas que não se considera culpado. Os três acusados regressam a tribunal a 29 de Outubro.

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Pavel Dmitrichenko esta terça-feira no tribunal Kirill Kudryavtsev/AFP

A história tem contornos dramáticos, o que não é de estranhar quando o cenário é um teatro europeu histórico – o Bolshoi, em Moscovo – e os protagonistas pertencem à companhia de dança que nele tem a sua casa. Despedimento de bailarinas sob acusação de excesso de peso, favorecimentos e lutas de poder internas que culminaram em Janeiro com um ataque com ácido que deixou Serguei Filin, o ex-bailarino de 42 anos que hoje ocupa o cargo de director artístico, quase cego e parcialmente desfigurado. Podia ser o guião de um filme, mas é uma súmula dos últimos meses (há quem diga anos) nos bastidores do Ballet Bolshoi, uma das formações de reportório mais respeitadas do mundo.

Este enredo real deveria ter conhecido esta terça-feira mais um capítulo com o início do julgamento de Pavel Dmitrichenko na capital russa, mas a sessão foi adiada para 29 de Outubro, por ter faltado o advogado de defesa de um dos três acusados.

Dmitrichenko, um bailarino de 29 anos, é o alegado mandante do ataque a Filin, mas, garantia a sua defesa à entrada do tribunal, há importantes atenuantes a ter em conta. Diz o advogado Serguei Kadyrov que o seu cliente “não se sente responsável por ter causado grandes danos à saúde de Filin”, porque, embora tenha já assumido que ordenou a agressão ao director artístico, estava longe de pensar que esta envolveria ácido.

Citado pela agência de notícias Reuters, Kadyrov admitiu recear que toda a atenção mediática venha a impedir que o julgamento se faça num clima sereno, mas que espera que o tribunal consiga distanciar-se da “ressonância” do caso para proferir um “veredicto bem fundamentado e justo”.

Dmitrichenko, que está detido desde Março, e os seus cúmplices – dois homens que terão executado o seu plano – podem ser condenados até 12 anos de prisão. Yuri Zarutsky terá lançado o ácido à cara do director, Andrei Lipatov ter-se-á limitado a conduzir o carro que levou o agressor até Filin.

“Cometeu-se um crime. E tem de ser resolvido. Se ficar provado que Pavel é culpado, deve ser castigado”, disse na segunda-feira a porta-voz do Bolshoi, Katerina Novikova, classificando como “trágica” a situação que envolve alguns dos membros da companhia.

Dmitrichenko chegou esta terça-feira ao tribunal moscovita algemado, tal como os alegados cúmplices. “Não admito que sou culpado”, disse aos jornalistas enquanto era conduzido à sala de audiência, recusando-se a responder a perguntas.

Escândalo atrás de escândalo
A 17 de Janeiro, Serguei Filin preparava-se para regressar a casa quando um homem encapuçado o atacou, lançando-lhe um líquido à cara que, viria a provar-se mais tarde, era ácido sulfúrico. Zarutsky e Lipatov fugiram, deixando-o no chão, sobre a neve, a pedir ajuda. O que se passou a seguir encheu páginas de jornais: os tratamentos de Filin fora da Rússia, os receios de que ficaria completamente cego e as acusações de que favorecia alguns bailarinos na hora de atribuir bolsas, feitas pelo próprio Dmitrichenko, quando em Março admitiu em tribunal que mandara Zarutsky “intimidar” o director artístico.

À medida que se revelavam mais pormenores sobre os contornos e antecedentes desta agressão iam-se recuperando outras histórias de bastidores da companhia que expunham decisões aparentemente arbitrárias e um enorme mal-estar entre a direcção e os bailarinos.

O escândalo, lembra esta terça-feira a Reuters, teve repercussões ao longo dos últimos meses – Filin mantém-se em funções, mas o director-geral do teatro, Anatoly Iskanov, foi despedido pelo Governo em Julho, e uma das antigas estrelas do Ballet Bolshoi, Nikolai Tsiskaridze, foi afastado. Segundo a AFP e o jornal norte-americano The New York Times, Filin tinha fortes suspeitas de que Tsiskaridze, seu rival na corrida à direcção, estaria por trás de Dmitrichenko, seu protegido, a instigá-lo.

Depois de oito meses de tratamento que envolveram mais de 20 cirurgias, sobretudo na Alemanha, Serguei Filin recuperou parcialmente a visão e a pele do rosto. Regressou ao teatro a meio de Setembro para apresentar a sua programação para a nova temporada, que inclui, entre outros, os bailados Marco Spada e A Dama das Camélias. Como tem pela frente várias intervenções cirúrgicas, não é ainda claro quanto tempo vai Filin passar no teatro, embora seja já certo de que vai voltar a viver em Moscovo.
 
 
 

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