Angela, a nossa “Mutti

As eleições legislativas na Alemanha confirmaram (amplamente) o favoritismo que era atribuído à CDU, liderada por Angela Merkel. Ganhou de forma convincente, ficou a pouco da maioria absoluta. A Chanceler tem uma vantagem sobre os adversários que se vão sucedendo eleição após eleição: por regra, todos a subestimam, por regra todos são fracos. A tri-chanceler alemã, essa, soube sempre (com inteligência) transformar as fraquezas em forças e assim conquistar o eleitorado.

É a “pessoa normal” por excelência, a “Mutti” (mãezinha) de que o seu povo precisa ou entende que precisa nestes tempos conturbados: e, para dizer isto, não é preciso fazer graçolas de mau gosto sobre o seu aspecto físico. É a pragmática, aquela que vai resolvendo os problemas à medida que vão surgindo.

Evidentemente, a imagem pública de Angela Merkel foi laboriosamente construída. E essa imagem tem sido muito eficaz. Para os alemães, a vantagem de os proteger, pelo menos no curto prazo, da crise infindável que tem assolado tantos países europeus, para lá aliás da Grécia, da Irlanda ou de Portugal. Para os outros europeus, e nós à cabeça, a ideia que se foi inculcando e hoje está algo generalizada é a de que, mal por mal, nos tem evitado males maiores – por exemplo, da chamada ala dura e castigadora do seu partido, que bem gostaria de nos apertar mais a trela.

Em Portugal, o discurso político dominante tem alinhado por esse diapasão: devemos gratidão à Alemanha da chanceler Merkel, numa realidade de quente e frio em que aquela surge como o polícia bom, por exemplo em comparação com o seu ministro das Finanças Schaüble que, com as suas declarações tonitruantes, assume o papel do polícia mau, desancando nos preguiçosos do Sul que têm de ser chamados à pedra para bem se comportarem. É, afinal a chanceler Merkel não é só a Mutti dos alemães: é também a “nossa” Mutti protectora (o que nos coloca na posição tão confortável quanto desagradável da menoridade política).

A verdade, no entanto, é que a Alemanha da chanceler Merkel, indiscutível potência dominante europeia, não tem conseguido com esta estratégia caseira recolocar a Europa nos trilhos, e corre também ela riscos a médio prazo. A verdade é que continuamos sem uma estratégia política europeia clara, liderada que seja pela Alemanha, que nos permita sair do atoleiro em que, mais coisa menos coisa, continuamos metidos. A verdade, finalmente, é que sobram finanças no pensamento europeu e falta cruelmente o pensamento político, a capacidade de decisão política de uma União Europeia (UE) hoje exangue e descrente. E, nem de propósito.

Em artigo recente, o presidente da Comissão Europeia diz, e bem, que o maior risco que a UE enfrenta é de natureza política. Mas conclui, e mal, que “o papel dos governos é de garantir a segurança e previsibilidade de que os mercados ainda necessitam”. Tem sido esta a corrente que dita as regras sobre a “acção política”: instrumental, submissa perante os mercados, com a “obrigação” de os apaziguar. Mas, enquanto a “política” for assim tida como secundária, não é
“política”: é outra coisa qualquer.

E lá iremos repetindo a ladainha: “Muitos parabéns, Mutti Merkel. E muito agradecidos e venerandos.” Há quem goste. Eu, por feitio, bem dispensava.

Docente da Escola de Direito da Universidade Católica Portuguesa, no Porto

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