O líder da juventude popular devia falar com Putin

O líder da JP pode argumentar contra a co-adoção; argumentar, insisto, mas não pode, numa penada, dizer que milhões de pessoas no mundo inteiro, algumas com idade para serem seus pais, e centenas em Portugal, não são saudáveis

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Maxim Shemetov/Reuters

O líder da Juventude Popular (JP), numa entrevista ao "i", afirmou isto: "A criança não cresce num ambiente saudável com dois pais ou duas mães". Eis uma afirmação que nenhum deputado avançou, mesmo sendo contra o projeto de lei sobre co-adoção, aprovado na generalidade no dia 17 de Maio.

Temos portanto o líder de uma juventude partidária — estruturas que, pela sua própria composição, tentam refrescar as propostas dos respetivos partidos, atentas ao evoluir dos tempos, inovadoras — que discursa com a atualidade desaparecida há décadas e que não se apercebe — será? — do insulto que encerra a sua frase.

O líder da JP pode argumentar contra a co-adoção; argumentar, insisto, mas não pode, numa penada, dizer que milhões de pessoas no mundo inteiro, algumas com idade para serem seus pais, e centenas em Portugal, não são saudáveis. De onde vem esta afirmação ofensiva? Do que viu? Das crianças e jovens de famílias homoparentais que frequentam a sua casa? Do estudo atento dos pareceres mais conceituados das Academias de todas as áreas que envolvem esta matéria? Da leitura de estudos universitários portugueses? Da fundamentação do Instituto de Apoio à Criança?

Não terá sido, porque todos estes elementos podiam, apesar da sua força, não convencer o jovem líder, mas podiam apelar à humildade e conter um discurso generalista e definitivo que ninguém, repito, ninguém, a começar pelo CDS, teve. Em bom rigor, até o mais acérrimo opositor da co-adoção, o Senhor Bastonário da OA, afirmou que nada tem contra à educação de crianças por duas mulheres ou por dois homens.

Eis que um representante do futuro sabe (ele sabe) que as pessoas em causa - crianças, adolescentes e adultos que cresceram com duas mães e dois pais - não são saudáveis, que é como quem diz que são, digamos, adoentadas. Gostava de confrontar o líder com algumas dessas pessoas, adolescentes, por exemplo, e de o ver dizer-lhes na cara isto: "vocês cresceram num ambiente não saudável, vocês não são saudáveis". Nunca a JP se aproximou de um olhar sobre o papel do Direito baseado no "é a minha opinião: aquilo (eles) são maus para as crianças e pronto".

O líder da JP tem o consolo de muito do que foi dito aquando da aprovação recente — e já condenada pela UE — de uma lei, na Rússia, que proíbe o que apelidam de "propaganda homossexual". Putin mantém-se forte na defesa da lei e apoia os deputados que explicam a lei, por exemplo assim: "Os defensores dessa propaganda propõem-se a equiparar as relações sexuais tradicionais com as não tradicionais aos olhos dos menores". O líder da JP está bem acompanhado.

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