Melancolia terminal

Se fosse preciso provar que o cinema de animação é coisa mais nobre do que o constante desfile de fitas dirigidas aos mais miúdos dá a entender, bastaria recordarmos o maravilhoso Mágico (2010) que Sylvain Chomet adaptou de um guião inédito de Jacques Tati. Não invocamos esse filme por acaso, já que o espanhol Ignacio Ferreras fez parte da equipa de O Mágico e percorre um caminho semelhante em Rugas: uma longa de animação “tradicional”, artesanal, pensada não para os mais novos mas sim para os mais velhos.


O tema, aliás, é bem sério: esta adaptação do aclamado romance gráfico de Paco Roca (que surgiu em tradução portuguesa há poucas semanas) fala do quotidiano de um lar de terceira idade através da amizade entre um novo internado que sofre de Alzheimer e o seu colega de quarto que procura levar a vida o melhor que pode. O filme, que contou com o envolvimento activo de Roca, não escamoteia nunca a melancolia terminal do tema, e Ferreras acerta no tom exacto, entre a resignação e a irreverência, de que o filme precisa para criar empatia emocional com o espectador.

Mas, na conversão para cinema, Rugas perdeu algum humor, alguma poesia, tornou-se demasiado sisudo, quase insustentável na sua lucidez sobre a velhice, e não é ajudado por um trabalho técnico que remete em excesso para a produção corrente de desenhos animados para televisão. Ainda assim, é um objecto exemplar da dimensão adulta do cinema de animação, ao qual a distribuidora portuguesa não está a fazer grande favor lançando-o em versão dobrada - até pode fazer sentido para atrair um outro público, mas corre o risco de fazer Rugas parecer exactamente aquilo que não é: apenas mais um filme de animação.

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