Valeria Bruni-Tedeschi, sempre com um pé no ar

Un Château en Italie, na competição de Cannes, está cheio de imensa melancolia, de qualquer coisa terminal.

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Un Château en Italie

“Tenho a sensação de que nada me apaziguou, que nada me apazigua, que nada me apaziguará’”. E com estas palavras a francesa Valeria Bruni-Tedeschi desaparecia para um frio boulevard parisiense, no final de uma entrevista à revista do diário Le Monde.

Ao sol de Cannes, Valeria, actriz, realizadora, falou do mesmo gosto pelo desequilíbrio. Contou, por exemplo, que num curso de actores estavam todos com os dois pés no chão, “e nada acontecia”; e a partir do momento em que todos tinham de levantar um pé, “o desequilíbrio produziu algo de intenso, espectáculo.” Isso, que é uma identidade e pelos vistos um programa desde um dos seus primeiros filmes como actriz, As Pessoas Normais Não Têm Nada de Especial (1992, Laurence Ferreira Barbosa), também provoca, ela deve sabê-lo, algum ranger de dentes perante o número da mulher sob influência do caos…

Valeria traz para os filmes que realiza (É mais fácil para um camelo... e Actrizes) uma componente autobiográfica: a origem italiana, em Turim, a fuga para França, quando a família (pai, mãe e dois irmãos, Carla e Virginio) foi ameaçada pelas Brigadas Vermelhas, a morte do irmão, em 2006… A partir daí fantasia e estica, até ao burlesco, coisa muito do seu agrado, tal como a ausência de medo do ridículo. Com isso, com objectos da família e com uma casa que já não pertence à família e que é a prova de um esplendor em ruína, faz agora uma muito bonita dança com uma tribo perdida.

O filme chama-se Un Château en Italie (competição). Para a qual convoca a mãe, Marisa Borini, o ex-companheiro, Louis Garrel, ou ainda Filippo Timi, que faz de seu irmão, a morrer de sida — assim morreu o irmão Virginio, a quem o filme é dedicado. Uma família com o nome de Rossi-Levi, não faz mal aí ver os Bruni-Tedeschi.

Mas Valeria sabe bem a diferença entre a terapia e a psicanálise. A primeira ajuda-a a viver, ajuda-a a trabalhar e a dormir. “É como o Carnaval. Podemos fazer tudo ao contrário. Podemos falar de coisas de que habitualmente não podemos falar. Mas isso não é psicanálise. É muito importante não confundir.”

Essa ideia de Carnaval, e com certeza a assumida inspiração de O Cerejal, de Tchekov, são responsáveis por uma imensa melancolia, de qualquer coisa terminal (mesmo que no fim possa aparecer a ilusão de vida, de recomeço), de que Un Chateau en Italie está cheio. Um filme, frágil, com o tal pé sempre no ar, que não facilita a pedir que gostem dele, que insiste na elipse para colocar a psicanálise de fora, que nunca vai atrás de qualquer miragem de redenção ou de cura, que nunca trai, pelo plot, as possibilidades de jogo entre uma tribo, uma família de personagens e de actores.
 
 
 

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