Morreu o economista Mário Murteira

Tinha 79 anos. Foi ministro nos governos de Vasco Gonçalves. João Cravinho evoca-o por lhe ter ensinado "sobretudo a ler de maneira integrada a economia e a sociedade".

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Mário Murteira, em 2009 Nuno Ferreira Santos

Morreu na manhã desta sexta-feira, de doença prolongada, em Lisboa, Mário Murteira, economista e professor catedrático do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, de que foi presidente. Tinha 79 anos, faltava um mês para completar oito décadas de vida. O funeral decorrerá neste sábado, no cemitério da Ajuda, e o corpo será velado na Capela de S. Gabriel no Mosteiro dos Jerónimos.

A seguir ao 25 de Abril, em 1974, Mário Murteira foi ministro dos Assuntos Sociais no I Governo Provisório e Ministro do Planeamento e Coordenação Económica (IV e V) nos Governos liderados por Vasco Gonçalves. Entre os cargos que desempenhou, este em 1975, está ainda o de vice-governador do Banco de Portugal. Em 2009, a Ordem dos Economistas atribuiu-lhe o Prémio Carreira, premiando uma vida profissional dedicada ao ensino e ao estudo e divulgação de temas económicos e de gestão, sobre os quais escreveu vasta obra. Um ano depois, em 2010, o Presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires, condecorou-o com a Primeira Classe da medalha de Mérito. 

Admirador de Joseph Schumpeter [um dos economistas mais importantes da primeira metade do século XX], Mário Murteira é considerado uma das figuras mais marcantes da geração de economistas portugueses que marcou as décadas de 1950 e 60. O ex-ministro João Cravinho evocou-o: “Conheci-o numa fase inicial do meu envolvimento com as questões económicas. Era já um destacado economista com obra feita e com uma enorme influência na juventude universitária. A mim, ensinou-me sobretudo a ler de maneira integrada a economia e a sociedade.”

“Absorvi imenso do que me ia explicando e ensinando pelo que foi, de certa forma, o mentor da minha formação”, explicou Cravinho, que destacou “a sua enorme generosidade, abertura de espírito notável e grande capacidade de ensinar pelo exemplo do que ia fazendo e pela discussão sempre muito inteligente das realidades sociais e económicas do nosso país”.

Antes do 25 de Abril, conviveram os dois no Departamento de Economia do Instituto Nacional de Investigação Industrial, onde estavam, entre outros, Aurora Murteira [mulher do economista], Sedas Nunes, Francisco Moura e Santos Loureiro. No início dos anos 60, o economista fundou, em conjunto com opositores do regime, a PRAGMA, uma cooperativa de difusão cultural e de acção comunitária, de que foi o primeiro presidente. A PIDE decretaria o seu encerramento já com o arquitecto Nuno Teotónio Pereira na liderança. Esta iniciativa, recorda Cravinho, “reuniu muita gente de esquerda e envolveu uma intervenção cívica das mais notáveis contra o antigo regime e o colonialismo”.

Na revolução, no período mais agudo, surgiu aliado ao PCP a dar luz verde a um vasto programa de nacionalizações em todos os sectores da economia, o que gerou anti-corpos na sociedade portuguesa. Para Cravinho a sua acção nos governos de Vasco Gonçalves “foi mal compreendida e daí resultou uma certa marginalização posterior”. Concluiu: “O ISCTE prestou-lhe a homenagem académica que tanto mereceu, mas Portugal não lhe deu a tempo a homenagem que lhe era devida como cidadão.”

A sua participação, no Verão de 1975, acabou por ditar, nas décadas seguintes, o seu afastamento da vida pública nacional. Nesta sexta-feira, os amigos recordaram-no como homem das universidades, do estudo, do ensino. Jacinto Nunes, governador do Banco de Portugal, quando Murteira era vice-governador, preferiu salientar: “Era um bom economista. A sua passagem pela vida política, no pico da revolução [Murteira foi ainda militante e dirigente da União de Esquerda Socialista Democrática (UEDS) ] não passou de um acidente que não lhe retira valor como economista.” 

Licenciado em Economia, em 1956, pelo ISEG, Murteira defendeu a sua tese, em 1968, "A Determinação do Salário na Indústria", sob orientação científica de António Pinto Barbosa, ministro das Finanças de Salazar [de 1955 a 1965] e governador do BdP em 1974. Quarenta e seis anos depois de se ter formado, jubilou-se no ISCTE [para onde entrou em 1972], passando a professor emérito da universidade, em 2008. Até final de 2011, quando a doença surgiu, dirigiu a revista “Economia Global e Gestão”, editada pelo INDEG, a escola de negócios ligada ao ISCTE.

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