Jessica Chastain: uma Julie para os tempos modernos

Jessica Chastain será Julie, a heroína trágica de Strindberg, num filme realizado por Liv Ullmann, musa de Ingmar Bergman

Foto
Do Iraque para o sufoco que era ser-se filha de um homem rico e amar um motorista. Vai ser assim com Jessica Chastain REUTERS/Christian Charisius

Sem mais detalhes, avança-se, contudo, que será Colin Farrell a interpretar Jean, o empregado do pai de Julie por quem esta se apaixona e se dispõe a abandonar o fausto em que vivia. A observar tudo isto, como Christine, estará Samantha Morton, a criada que secretamente deseja Jean.

O filme marcará o regresso de Liv Ullmann, conhecida pelas interpretações nos filmes de Ingmar Bergman, à realização, depois de Faithless (2000), filme a partir de um texto de Bergman, que havia encenado Miss Julie em 1985.

Descrita como um texto naturalista, há, no modo como Strindberg explora o que são as convenções sociais, um trabalho atento ao modo como a acção é substituída pela reflexão, convocando os actores para um trabalho de maior interioridade do que de exposição.

A ambiguidade das personagens, o modo como se manipulam, num jogo que testa as fronteiras da moral e das convenções, fez com que a peça se tornasse num modelo não apenas para questionar o papel a que eram sujeitas as mulheres de uma certa burguesia e o modo como existia uma nova geração que questionava essas convenções, ainda que arriscando perder um estatuto. Strindberg, que seguia o manifesto de Emile Zola, Naturalismo para o Teatro (1881), com que se começara a corresponder, teria dificuldade em apresentar a suas peças. Escrita em 1888, Menina Julie passa-se anos antes, durante 1874, mas a sua estreia ocorreu apenas em Estocolmo, em 1906.

A primeira adaptação ao cinema data de 1912, uma média-metragem assinada pela sueca Anna Hofman-Udgreen. Depois disso a peça tem feito parte do repertório clássico e é ponto de passagem obrigatório na carreira de uma actriz. Entre os nomes que, em televisão, já interpretaram Julie contam-se Bibi Andersson, uma das actrizes de Bergman, em 1969, e Helen Mirren, num telefilme de 1972.

O potencial cinematográfico de Menina Julie foi explorado num espectáculo de 2010 da inglesa Katie Mitchell, em colaboração com Leo Warner, criado para a Schaubühne, em Berlim, onde era do ponto de vista de Christine. O dispositivo cénico implicava a filmagem permanente do espectáculo que equilibrava cenas no palco e outras em vídeo, pensadas a partir do quarto anexo à cozinha onde se passa o essencial da acção da peça. Aí, Christine, que tem uma presença mais espectral do que física na peça, observava, ou ouvia, os diálogos entre Julie e Jean, criando imagens para o que imaginava.

Em 2011 Juliette Binoche, invertendo a sua presença no cinema, interpretou a peça em França, uma encenação de Frédéric Fisbach que foi mal recebida, precisamente por querer aproveitar-se da intensidade que Binoche teria nas suas escolhas cinematográficas para uma personagem que, em plena descoberta do mundo e crente no poder de transformação que as suas escolhas possam produzir, se deixa enganar.

Em Portugal, segundo a base de dados do Centro de Estudos de Teatro, a primeira apresentação profissional da peça deu-se em 1960, no Teatro Nacional Dona Maria II, com Lourdes Norberto, Jacinto Ramos, que também encenava, e Helena Félix, a partir de uma tradução de Redondo Júnior e com cenários de Rolando Sá Nogueira. Em 1979 o Grupo de Teatro Hoje dividiu o papel entre duas actrizes, Maria Emília Correia e Elisa Lisboa, numa encenação de Carlos Fernando com música de Jorge Peixinho que marcou o ano “pelo vigor da sua intensidade”, como se escreveu no jornal Voz do Povo. Outras leituras da peça, repensando-a e reflectindo sobre a condição feminina, incluem a que a Casa Conveniente fez em 1993, com Elisabete Piecho a protagonizar e Mónica Calle como Christine, e, em 2004, a versão do Teatro Praga encenava a peça de Strindberg dentro de um outro espectáculo, Título, solicitando aos espectadores uma participação nas decisões do destino das personagens.

A base de dados do Centro de Estudos de Teatro inclui ainda a estreia, em 1986, de uma encenação de Rogério de Carvalho para a Companhia de Teatro de Almada, interpretada por Fátima Murta, e, em 2009, duas encenações: no Teatro Nacional D. Maria II, Beatriz Batarda, ao lado de Albano Jerónimo, protagonizou uma encenação de Rui Mendes e, na Galeria Zé dos Bois, Ana Brandão foi conduzida pela mão de Bruno Bravo.

 

 

 

 

 
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar