Última chamada de embarque para a Antárctida

A campanha de 2012-2013 à Antárctida tem esta terça-feira um dos pontos altos, com a partida de um avião, alugado pelo Programa Polar Português, de Punta Arenas, no Sul do Chile, para a ilha do Rei Jorge, um dos principais pontos de entrada no Sul. Transportará a última leva de cientistas da campanha portuguesa deste ano. As alterações climáticas dominam os trabalhos.

O investigador Pedro Pina na ilha do Rei Jorge, Shetlands do Sul, onde está a testar um avião não tripulado
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O investigador Pedro Pina na ilha do Rei Jorge, Shetlands do Sul, onde está a testar um avião não tripulado e que tem contado as aventura num diário de campanha Projecto Hisurf
O avião não tripulado em testes, para cartografar com alta resolução as zonas livres de neve, desde rochas a musgos
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O avião não tripulado em testes, para cartografar com alta resolução as zonas livres de neve, desde rochas a musgos Pedro Pina
A base científica King Sejong, que a Coreia do Sul tem na ilha do Rei Jorge
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A base científica King Sejong, que a Coreia do Sul tem na ilha do Rei Jorge Projecto Hisurf
Outro investigador da campanha antárctica portuguesa de 2012-2013, na ilha do Rei Jorge, onde recolhe amostras para estudo de contaminantes
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Outro investigador da campanha antárctica portuguesa de 2012-2013, na ilha do Rei Jorge, onde recolhe amostras para estudo de contaminantes Projecto Contantarc
Vista da zona mais povoada na ilha do Rei Jorge
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Vista da zona mais povoada na ilha do Rei Jorge Alice Pena/Projecto Permachange
Os iglôs espanhóis na ilha de Livingston, onde trabalhou a equipa de Marc Oliva
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Os iglôs espanhóis na ilha de Livingston, onde trabalhou a equipa de Marc Oliva Marc Oliva/Projecto Holoantar
A equipa de Marc Oliva, do Centro de Estudos Geográficos de Lisboa, a furar o gelo para chegar aos sedimentos de um lago
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A equipa de Marc Oliva, do Centro de Estudos Geográficos de Lisboa, a furar o gelo para chegar aos sedimentos de um lago Marc Oliva/Projecto Holoantar

Antárctida, mais Sul do que isto não há. É para lá, para a ilha do Rei Jorge, que partem esta terça-feira ao final da tarde (se o tempo deixar) os últimos cientistas da campanha antárctica portuguesa deste ano. E é de lá que Pedro Pina e Lourenço Bandeira têm escrito as suas crónicas lusas do Sul. “Quem manda aqui é o tempo, que nos obrigou a ficar na base”, relatou um destes dias Pedro Pina, quando os ventos fortes e o nevoeiro o impediram de sair da base sul-coreana de King Sejong e ir para o terreno, com Lourenço Bandeira, captar imagens de alta resolução com um pequeno avião autónomo.

“Mas dias como este permitem-nos descansar. Partilhamos uma sala com um escritor sul-coreano, que está aqui a escrever um livro. Não conseguimos perceber que tipo de livro é. Ele não fala inglês, mesmo nada, e nós não conseguimos ler os caracteres coreanos no ecrã do computador dele...” Quando entraram na segunda semana de estadia na base sul-coreana, Lourenço Bandeira contou, no diário de campanha no site do Programa Polar Português (Propolar, em http://www.propolar.org), que se aperceberam de duas coisas: “A primeira é que o reportório de aviso musical das refeições não é nada variado: Journey, Metallica, Queen, Adele e... música clássica (ainda) desconhecida. A segunda é que, por muito boa que seja a comida coreana, já nos apetecia um bacalhau à Brás (e sem picante, por favor!).”

A base sul-coreana dá para uma enorme baía e do lado de lá daquela água toda agora descongelada no Verão austral, mas que no Inverno congelará, concentra-se grande parte da agitação da ilha do Rei Jorge, no arquipélago das Shetland do Sul. Ou não fosse esta ilha um dos locais mais habitados da Antárctida e uma dos principais pontos de chegada à região, por se encontrar ali um aeródromo, uma base aérea, uma povoação (a Vila Las Estrellas), todos chilenos, e ainda bases científicas do Chile, da Rússia e China e, um pouco mais longe, do Uruguai ou Argentina, além da da Coreia do Sul.

É nesse aeródromo, duas horas e meia depois da partida de Punta Arenas, no Sul do Chile, que aterrará um avião comercial fretado pelo Propolar, representando a segunda vez que Portugal organiza uma campanha antárctica com logística própria.

Em vez de os cientistas portugueses se limitarem a ser convidados nas bases de outros países e só dependerem da sua boleia para lá chegarem, como acontecia até 2011, este voo, pago com cerca de cem mil euros atribuídos pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, também contribuirá para o esforço colectivo de investigação no continente branco. Não só transportará a última leva cientistas desta campanha, iniciada em Novembro, com as equipas desde então a seguirem para vários destinos na Península Antárctica, mas também levará investigadores de outros países. Uma vez na ilha do Rei Jorge, irão para várias bases na ilha e até noutras, como fará Gonçalo Vieira, do Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa e coordenador do Propolar, que viajará depois de barco para as ilhas Livingston e Deception, também nas Shetland do Sul. No regresso a Punta Arenas ainda hoje, o avião trará mais portugueses que têm estado na Antárctida, como Pedro Pina, além de equipas de outros países.

Alterações climáticas dominam trabalhos
O que estudam os portugueses? O solo que congela; os peixes que não congelam e como se adaptarão ao aquecimento global; os poluentes que chegam até tão longe; o clima passado; a cartografia de grande resolução de áreas livres de gelo; os polvos e as lulas que alimentam pinguins e albatrozes e como as alterações climáticas influenciam isso; ou os turistas que procuram estes destinos e o impacto que têm aí. Ao todo, 20 cientistas participaram nesta campanha, em nove projectos, frisa Gonçalo Vieira.

Pedro Pina e Lourenço Bandeira, do Instituto Superior Técnico, têm testado um avião não tripulado que capta imagens para avaliar a evolução de uma paisagem marcada pelas alterações climáticas e pelo degelo. Pedro Pina contava como os voos tinham corrido bem e que a qualidade das imagens dava para identificar “cada líquen, pequeno musgo ou pedra”.

A primeira equipa no terreno voltou a Portugal ainda antes do Natal, com 250 quilos de sedimentos na mala para reconstituir o clima de outros tempos da Antárctida, depois de 23 dias a furar o gelo de lagos da ilha de Livingston — e, pelo meio, Marc Oliva, do CEG, e os colegas tiveram de arranjar maneira de proteger as tendas das investidas dos elefantes-marinhos... cavando uma trincheira no gelo.

A propósito de gelo, a equipa de Gonçalo Vieira vai prosseguir os estudos iniciados há mais de uma década sobre o solo permanentemente congelado, ou permafrost, que o aquecimento global está a derreter. Com António Correia (Universidade de Évora) e Ana Salomé, do CEG, Gonçalo Vieira vai recolher dados e fazer a manutenção de equipamentos, como termómetros, deixados em buracos a fazer registos todo o ano. As observações da equipa portuguesa têm contribuído para uma rede mundial de monitorização do permafrost. Além disso, nesta campanha vão fazer um levantamento no terreno das zonas com líquenes, musgos e neve, para comparação com imagens de satélite e a sua validação.

Até Março, quando a equipa de Gonçalo Vieira regressar a Portugal e a expedição deste ano terminar, pode-se ir sabendo das suas peripécias científicas, ilustradas por muitas fotografias como aconteceu até aqui, no diário de campanha no site do Propolar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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