As canções são a casa de Josephine Foster

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Vive em Espanha há seis anos, mas voltou aos EUA para gravar "Blood Rushing". Josephine Foster mostra-o em Lisboa e no Porto

Josephine Foster atende o telefone, em Marrocos. Não está longe de casa, situada em Cádis, no Sul de Espanha, onde vive desde que se casou com o espanhol Victor Herrero. Josephine, música em constante trânsito, estará entre nós nas próximas quarta e quinta-feira, no lisboeta B.Leza e no portuense Passos Manuel. Apresenta novo disco, Blood Rushing.

"Não sinto que pertença a nenhum lugar, mas sinto-me em casa em qualquer lugar", diz-nos. Está há seis anos em Espanha. Não se sente espanhola. Mas também não se vê como totalmente americana. "Sabia que isto ia conhecer. Foi até com alguém que conheci em Portugal, um americano que vivia em Portugal. Que pessoa estranha: não parecia americano, não parecia português, parecia quase um fantasma", diz. E ri-se.

Josephine, um fantasma em Cádis, uma das zonas habitadas mais velhas da Europa, no canto sudoeste de Espanha. "Gosto da passagem do tempo. O tempo parece diferente nos Estados Unidos", conta. Um tempo mais lento, em Cádis? Nem por isso, "algumas coisas são mais rápidas, outras mais lentas". Espanha dá-lhe, acima de tudo, "paz". "Encontrei mais paz vivendo com o Victor em Espanha do que alguma vez tinha tido. Posso caminhar sozinha à noite e sinto-me segura. Nunca tinha tido essa experiência nos Estados Unidos."

A experiência espanhola influenciou-a a lançar-se à colecção de canções populares espanholas que Federico García Lorca fez em 1931 - o resultado, Anda Jaleo, de Josephine Foster & The Victor Herrero Band, foi lançado em 2010. A mesma banda fez Perlas, gravado em Cádis e editado este ano, súmula de tradições populares espanholas, da Costa Brava ao País Basco.

Mas, porque Josephine não se acomoda, Blood Rushing é um disco focado nas raízes da cultura americana, nos povos indígenas. Para isso, voltou ao Colorado onde nasceu. Queria "sentir-se em casa", "próxima dos elementos que inspiraram estas canções". "O disco tem raízes em coisas do meu subconsciente, da minha infância. Quero tentar compreender o sítio onde nasci, a sua história".

Uma das memórias de infância de Josephine é visitar as ruínas dos pueblos, onde viviam os nativos americanos que seriam encontrados pelos espanhóis no século XVI. A Josephine de sete anos, que visitava aqueles despojos de "civilização em desaparecimento" com a família, nos passeios pelo Colorado, pensava: "parecia muito divertido viver numa falésia, numa cave, cercado pela natureza. Não que seja uma existência fácil, mas tem uma grande beleza. Interessava-me pelas vidas deles, pelas cerimónias, tentava imaginar essas coisas".

Naturalidade

Com Victor Herrero, Paz Lenchantin (baixista com vasto currículo, dos Entrance aos A Perfect Circle) e Heather Trost (A Hawk and a Hacksaw), meteu-se na sala de ioga da Universidade Naropa, em Boulder, no Colorado. Lá gravaram Blood Rushing, só com material analógico. Ensaiaram durante semanas, mas deixaram espaço para os apetites do momento.

"Não fechámos a música num saco de plástico", vinca. Tanto assim foi que Ben Trimble (Fly Golden Eagle), convocado inicialmente para ser assistente do engenheiro Andrija Tokic, assumiu as funções de baterista à última da hora. "Não é um baterista, por isso foi tão perfeito. Tem um sentimento natural, não tem noções preconcebidas", descreve.

Ben tocou um tambor que andava na casa dos pais de Josephine (o pai, vendedor de carros usados, trocou-o por um carburador), percussão típica dos nativos e "maracas estranhas" que encontraram na sala. "Muitas vezes a solução perfeita está à tua frente", diz Josephine, para quem "quando se tem uma limitação é-se mais criativo". "É por isso que gosto de trabalhar com fita analógica. Há uma quantidade limitada de fita, tens que te focar e tocar. Há muitos erros musicais neste disco, mas eles desaparecem e transformam-se em outra coisa."

Ao conciliar a nova leveza adquirida em Espanha com as raízes americanas, Blood Rushing mostra Josephine em modo "clássico". Depois de ser colocada ao lado de Devendra Banhart e Joanna Newsom no revivalismo folk dos anos 2000 (Little Life é uma das mais belas canções dessa era), fez um disco em que transformava composições alemãs do século XIX em ruído eléctrico e outro em que musicava poemas de Emily Dickinson. A estranheza tornou-se normal no seu percurso e Blood Rushing introduz algum conforto.

A singularidade de Josephine tem raízes antigas. Estudou ópera na adolescência, mas acabaria por se interessar sobretudo pelas canções populares e por outros terrenos de liberdade. "Deixei a ópera porque aprendi o que poderia. Percebi que não conseguiria chegar à perfeição. Seria um sacrifício enorme da minha criatividade - e por algo a que poderia não conseguir chegar."

Josephine tem uma guitarra, canta, mas não quer ser um cliché. E está longe de o ser. "Não estou interessado em ser uma cantautora - ‘isto sou eu ao longo dos anos e os meus desgostos de amor'. Quero um drama maior. É o mesmo que um encenador: não precisa de fazer sempre a mesma peça."

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