Marcelo quer ser prefeito do Rio de Janeiro e convenceu Chico e Caetano

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O objectivo de Freixo é que Paes fique abaixo dos 50%, sendo assim obrigado a uma segunda volta no Rio Foto: Christophe Simon/AFP

Marcelo Freixo é o símbolo do combate às milícias no Rio de Janeiro. Nas eleições municipais de domingo, tentará forçar o actual prefeito Eduardo Paes a uma segunda volta. No arranque da campanha, o PÚBLICO conversou com ele sobre as origens.

O deputado Marcelo Freixo inspirou o mais popular filme brasileiro de todos os tempos - Tropa de Elite 2, sobre o combate às milícias no Rio de Janeiro - mas despacha num gabinete que já seria pequeno para um e onde trabalham vários.

Recebeu a repórter do PÚBLICO no arranque de uma campanha difícil: enfrentar o actual prefeito e recandidato Eduardo Paes, favorito com mais de 50% das intenções de voto. Amanhã é a primeira volta das eleições municipais no Brasil e o objectivo de Freixo é que Paes fique abaixo dos 50%, sendo assim obrigado a uma segunda volta no Rio, cidade que sempre foi uma montra do Brasil mas terá o mundo inteiro a olhar nos anos que aí vêm, com Mundial de Futebol em 2014 e Olimpíadas em 2016.
Paes, que corre pelo PMDB, partido da coligação no poder - o que significa apoio de Lula e Dilma e muito tempo de antena - tem estabilizado apoios nas periferias. Freixo, do PSOL (ex-comunistas), conquistou uma parte influente da Zona Sul. Caetano Veloso não só organizou uma reunião em sua casa para Freixo, como depois fez um concerto com a participação de Chico Buarque. É a primeira vez que o grande par da música brasileira apoia o mesmo candidato, e desde 1986 não se juntavam em palco. Um exemplo de como este deputado se tornou um símbolo.

Freixo é defendido como alguém vital à democracia. A coragem com que enfrentou em 2008, como líder de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), as violentas milícias que dominam bairros inteiros do Rio, custou-lhe ser ameaçado de morte e uma fase de clandestinidade. Reincidiu com uma CPI sobre o tráfico de armas. Firmou uma imagem de incorruptível na escorregadia política brasileira. Capitaliza mesmo entre quem reconhece obra feita ao ambicioso Paes mas lhe critica estilo e métodos. A novidade de Freixo é estilo e métodos serem também uma ideia de política, defendem os apoiantes.

De onde vem então este politico de 45 anos com cara de bom rapaz?

Pobre em Niterói

"Meu pai era inspector de escola, do interior do estado do Rio, e a minha mãe administrativa de escola, de São Gonçalo [periferia]", conta Freixo, sentado à secretária. Usa um anel de tucumã, comum nos ecologistas e activistas de esquerda. Na parede, fotografias de família, amigos, férias. Sabe que tem uma origem portuguesa, embora não localize o ponto exacto: "Meus avós eram de uma cidadezinha acima de Lisboa. Na fase em que saí do Brasil [por causa das ameaças de morte] estive em Portugal."

Mais velho de três irmãos, passou a infância na Zona Norte de Niterói. "É a parte mais popular, mais pobre de Niterói. Estudei minha vida inteira lá, no Bairro do Fonseca. Uma infância muito na rua, de jogar à bola, de bola de gude [berlinde], pipa [papagaio], de muita brincadeira. Sempre adorei futebol." Ia a pé para a escola. "Nunca teve carro, telefone. Era muito caro. Só tinha dois amigos com telefone." Brasil, anos 70. "TV tinha, preto e branco." Livro, muito pouco. "Só fui conhecer literatura com amigos da adolescência."

Não é coisa passageira: Freixo viveu até 2005 neste bairro. "Mas aos 15 anos comecei a procurar serviços para ganhar dinheiro e aos 18 já trabalhava para um banco no centro do Rio como [office] boy. Tive de conhecer a cidade na marra [à força], recebia um pacote e tinha de entregar." Como entrava no banco às 12h, almoçava às 10h, e só voltava a casa às 23h, depois das aulas na faculdade de Economia. Nada de Rio cartão-postal. "O Rio de Janeiro era um lugar onde eu era muito explorado. Copacabana era uma coisa muito distante."

Depois do banco, trabalhou numa escola, onde teve contacto com professores de História. Deixou Economia no terceiro ano e mudou para História, na universidade de Niterói, a UFF. "Deixei de vir para o Rio." Começou a dar aulas no ensino básico, secundário e em prisões. Entre estudar e trabalhar, os dias continuavam a ser de 12 horas. "Mas aí já era a minha profissão, dar aulas. Fiquei 20 anos em sala de aula, mesmo enquanto deputado. Só deixei por causa das ameaças [das milícias], porque tinha de andar com escolta."

Entrada na política

"A primeira vez que comecei a pensar o lugar em que morava de uma forma cultural foi aos 16 anos, no Bairro Fonseca", diz Freixo. "A raiz política vem daí." O grupo de amigos fazia um curso de filosofia aos sábados. "Um amigo me chamou e começo a ler bastante. Conheço Gramsci, Marx, Platão.

Tinha pessoal da Zona Sul de Niterói, poetas, saxofonistas, a gente começou a viajar para Minas [Gerais] com o violão." Chico Buarque e Caetano já eram "ídolos desde menino". Agora, os ídolos são fãs dele e Freixo ainda parece espantado de como tudo isso aconteceu.

"Eu tinha a coisa dos bairros populares. Ganhei o acesso à cultura, à música, nesse grupo. E vínhamos muito a shows no Rio. É o mesmo grupo de amigos até hoje." Aponta-os um a um na parede. "A gente acompanhou o surgimento do PT e eu entrei no sindicato [dos professores] por causa disso. O PT surge na passagem da ditadura para a democracia. Tem três bases: a igreja progressista, sobretudo a Teologia da Libertação, o movimento universitário e o movimento operário. Esse é o tripé do PT. E há uma conjuntura favorável ao PT, em que se sai de uma ditadura de mais de 20 anos para um desejo de democracia."

Momentos-chave para Freixo: a campanha para governador do Rio do ex-exilado político Fernando Gabeira em 1986 e a entrada de Lula na corrida para a Presidência: "A primeira campanha de Lula, em 1989, foi lindíssima. Tenho uma foto com ele depois da derrota em que ele não tem um cabelo branco. Nunca fui um lulista, sempre acreditei mais no partido, na capacidade colectiva, mas me emocionei muito com os discursos dele, uma capacidade de diálogo incrível, rara. Tenho uma admiração profunda por ele, mesmo não concordando com muita coisa dele e do Dirceu."

José Dirceu, o homem da máquina do PT, que se veio a tornar ministro de Lula e neste momento é o principal réu do processo Mensalão. Todo o país aguarda o veredicto do Supremo Tribunal Federal, na próxima semana.

"As contradições [dentro do PT] foram-se acirrando, muito traumático para todos", diz Freixo, citando alianças antes impossíveis, apoios a figuras duvidosas. "Havia a corrente do Lula: Dirceu, Benedita [da Silva, ex-governadora do Rio]. Mas eu sempre achava que havia razões nas outras correntes. A partir de 1998 o desgaste foi muito grande e foi aumentando até à eleição de Lula." Em 2002. "O governo do Lula tem dentro essa euforia, o discurso da governabilidade, alianças com quem a gente combateu a vida inteira e isso começou a me deixar muito sem expectativa. Eu tinha vivido a vida inteira para aquele momento [da eleição dele] e fui para a rua comemorar. Mas durante a campanha já tinha essas contradições. O Mensalão foi a pá de cal, mas eu já não tinha esperança havia algum tempo."

A questão das alianças era simbólica. "Uma opção que não dava ao país a chance de transformação. O Lula tinha um capital muito forte quando foi eleito e a ideia de governabilidade fez com que não fizesse o que poderia. Dou um exemplo: a reforma agrária."

Então Freixo rompeu. "Não era o fim da luta. Continuei trabalhando com favelas, dando aulas nas prisões. Depois é que o pessoal do PSOL me chama para fundar o partido em 2006. Mas nunca me tornei antipetista. Nunca passei a ter o PT como inimigo. O PSOL convenceu-me a disputar a eleição em 2006, mas fui mais para ajudar o partido." Não era uma estreia em campanha. "Em 1996 eu fora candidato do PT a vereador em Niterói." Dez anos depois viu-se eleito no Rio. "Uma surpresa, dentro do partido ninguém acreditava. Uma campanha muito criativa, sem tempo na televisão." Resultou em 13 mil votos. Quando repetiu a campanha em 2010, teve 177 mil. "Fui o segundo deputado mais votado, e o primeiro era apresentador de TV."

Amanhã, vai ter de apontar para milhões.

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