Pak fugiu da Coreia do Norte mas voltou e deram-lhe uma casa

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O regresso de Pak está a ser utilizado como propaganda do regime agora liderado por Kim Jong-un Damir Sagolj/Reuters

Este Verão, uma mulher de 66 anos apareceu numa conferência de imprensa na Coreia do Norte para dizer que estava radiante, depois de ter vivido seis anos no Sul "miserável".

Pak Jong-suk é um improvável símbolo nacional. Mas também tem a história perfeita, daquelas que agradam às autoridades norte-coreanas, que procuram novas formas de fazer o povo amar o seu líder e permanecer dentro das fronteiras.

Pak esteve numa conferência de imprensa de 80 minutos num palácio em Pyongyang (a capital da Coreia do Norte) e foi depois a protagonista de uma série de seis artigos da agência noticiosa estatal. Às vezes choramingando, às vezes extasiada, Pak - que o Governo do Sul diz ser um dos rarissimos casos de um desertor que regressou ao Norte - descreveu as suas dificuldades no Sul "corrupto" e movido pelo dinheiro e pediu desculpa por ter fugido. Elogiou o jovem novo líder coreano, Kim Jong-un, por ter um "coração carinhoso" e lhe ter perdoado a criminosa traição.

Porém, os que conheciam Pak na Coreia do Sul - e também as autoridades de Seul - dizem que há um lado negro nesta sua ascensão a estrela da propaganda norte-coreana. A sua história, dizem, é em grande parte falsa e provavelmente construída pelo regime, e expõe a forma como a Coreia do Norte manipula um cidadão que regressou não por saudades da pátria, mas por recear pela segurança do filho. "A maternidade foi usada para fins políticos", diz Park Sang-hak, um desertor que era amigo de Pak em Seul.

De acordo com a história que contou em Junho no palácio, sentada debaixo de fotografias dos antigos líderes Kim Il-sung e Kim Jong-il, Pak nunca quis ir para a Coreia do Sul. Foi enganada por agentes de espionagem sulistas depois de ter atravessado a fronteira para a China. Os agentes, disse, estavam disfarçados de chineses e levaram-na para um barco - supostamente para Qingdao, na China, onde poderia encontrar-se com o seu pai. Em vez disso, foi drogada e acordou em Seul, onde ficou sob vigilância do Governo e ganhou dinheiro a limpar estações de metro e a cuidar de um homem de 90 anos "que não se mexia nem podia ir à casa de banho". Decidiu regressar à Coreia do Norte em Dezembro do ano passado, quando a notícia da morte de Kim Jong-il a atingiu como "um raio caído do céu", disse na conferência de imprensa que foi relatada pela Associated Press.

É impossível confirmar muito do que os amigos, os familiares e os funcionários governamentais dizem sobre a história de Pak. Os comentários dos funcionários sul-coreanos podem ser motivados pelo desejo de retratar o rival do Norte de forma negativa. E alguns dos amigos e familiares de Pak - que no início estavam relutantes em contar a sua versão - aceitaram falar porque querem que Pak saia sem culpa desta história, querendo reforçar publicamente a sua convicção de que ela agiu no interesse da sua família.

Salvar o filho?

Amigos chegados e familiares de Pak na Coreia do Sul, e funcionários governamentais que estudaram este caso, dizem que Pak - conhecida por Park In-sook quando vivia no Sul - só regressou porque acreditou que tinha que o fazer. Enquanto viveu em Seul, dizem todos, estava preocupada com o filho, um violinista na casa dos 30 anos cuja vida se desmoronou por uma única razão: foi punido pela fuga da mãe.

Quando Pak fugiu para o Sul, em 2006, o filho, Kim Jin Myong, deu a mãe como morta, segundo H. W. Lee, um primo de Pak que é presidente de uma companhia de produtos relacionados com aeronáutica e energia em Seul. Mas as autoridades norte-coreanas souberam da deserção, diz Lee, quando prenderam um passador que ajudou Pak a fugir. O passador deu às autoridades os nomes de todos os que tinha ajudado, e o filho de Pak perdeu o emprego que tinha numa prestigiada escola de música. Kim Jin Myong, a mulher e os filhos receberam ordem de "realojamento" na pobre e rural província de Hwanghae, e foram submetidos a uma apertada vigilância policial.

Segundo os familiares e amigos que viviam no mesmo bloco de apartamento de Seul onde Pak morava, foi entre 2009 e 2010 que ela soube o que acontecera ao filho, durante uma conversa telefónica com os pais da nora, que são funcionários do partido em Pyongyang.

Os amigos dizem que, depois de saber o que acontecera ao filho, Pak ficou desesperada e perguntava, em voz alta, se viveria ou morreria se regressasse à Coreia do Norte. Os pais da nora encorajaram-na a regressar, disseram-lhe que era a única forma de reabilitar e reunir a família. Os funcionários sul-coreanos sugerem que Pak terá sido chantageada, com ameaças à segurança do filho, mas recusaram ser entrevistados e contar os pormenores dessa ameaça.

"Para mim, Pak tinha duas opções", diz Park Soo-jin, um porta-voz do Ministério da Unificação sul-coreano, para quem as declarações da mulher sobre espiões explicam a veracidade do caso. "Ou ela rejeitava a proposta da Coreia do Norte e assumia o futuro incerto do filho, ou regressava", acreditando que a família seria reunida.

Pak viveu sozinha no 10.º andar de um prédio na zona leste de Seul. Tem familiares na Coreia do Sul - meios-irmãos e primos - porque a sua família foi dividida durante a guerra da Coreia, tendo o seu pai ficado a viver no Sul e constituído uma nova família. (O pai de Pak morreu aos 95 anos, poucas semanas depois da filha chegar a Seul).

Ora esmagada, ora feliz

Os que conheceram Pak em Seul dizem que ela se ajustou ao Sul, como fizeram outros desertores norte-coreanos. Umas vezes sentia-se esmagada, outras sentia-se feliz com tanta liberdade. Passava o tempo a assistir a concertos de música clássica na televisão ou a ler biografias de políticos sul-coreanos. Vivia de forma frugal, enviando quase todas as suas poupanças - milhares de dólares, dizem os amigos - ao filho. Também perdeu milhares de dólares ao ser burlada num esquema de pirâmide, segundo um amigos mais próximos, também desertor e que não se quis identificar, pois ainda tem família do outro lado da fronteira.

Apesar destes problemas e da culpa que sentia em relação ao filho, Pak disse aos amigos que estava contente por ter deixado a Coreia do Norte, que descrevia como um "Inferno". Numa entrevista que deu em 2011 a uma organização cívica que recolhe informação sobre desertores, disse que estava "maravilhada" com a sociedade sul-coreana: as luzes, a abundância de comida, as ruas cheias de carros. "Como é que as duas Coreias se desenvolveram de uma forma tão diferente?".

O regresso ao Norte apanhou de surpresa quase todos os amigos e familiares, também surpreendidos com a recepção a que teve direito. Na conferência de imprensa apareceu com o filho e a nora e, segundo os media estatais de Pyongyang, a família recebeu um apartamento novo e equipado. Não houve referências ao realojamento prévio do filho. "O estado mostrou carinho pela minha desgraçada família", disse o filho de Pak, citado pelos media locais.

Pak regressou num momento em que o Norte reforçava a segurança nas fronteiras e se esforçava por diminuir as deserções - uma forma de manter a estabilidade enquanto Kim Jong-un solidificava o seu poder. A propaganda à volta de Pak foi planeada para "evitar mais deserções", disse Kim Soo-am, investigador do Instituto Coreano para a Unificação Nacional, financiado por Seul. Familiares e amigos continuam sem saber se Pak conhecia a forma como a sua história iria ser usada.

Meses antes de partir, Pak vendeu o seu apartamento e a maior parte dos seus bens, contam responsáveis do Governo. Fez as malas com 20 quilos de roupa e medicamentos. Lee, o primo, deu-lhe centenas de dólares. Tentou manter os planos em segredo, dizendo que ia para a China, e só quando lá chegou revelou a sua intenção - telefonou a Lee e disse-lhe que ia embarcar num avião para a Coreia do Norte. O primo perguntou-lhe se estava preocupada com o filho. "O quê, estás maluco?", disse Pak. Depois começou a chorar e desligou.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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