O próximo grande caçador de planetas como a Terra tem mão de cientistas portugueses

Foto
Um desenho do Espresso que vai ser instalado no VLT, Chile DR

O aparelho mais avançado para procurar planetas iguais à Terra só estará a funcionar em 2016. Nessa altura, o consórcio que Portugal integra e que está a construir este espectrógrafo, chamado Espresso, vai ter direito a usá-lo 270 noites. O Espresso vai procurar planetas iguais à Terra, com água líquida, que poderão ter vida.

Nesta quinta-feira, termina uma reunião de três dias, em Santa Cruz do Douro, no concelho de Baião, onde se tem estado a delinear o projecto científico deste consórcio, para determinar por exemplo que estrelas serão observadas àprocura de novas Terras.

"É uma reunião técnica", explica-nos Nuno Santos. O cientista do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto é o responsável português do consórcio que ganhou a construção do aparelho, e reúne ainda a Espanha, Itália, Suíça e o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês). A cada três meses, o grupo reúne-se para avaliar o estado do projecto e para tomar decisões sobre a sua construção. Desta vez, a organização calhou a Portugal e 40 participantes inscreveram-se.

O Espresso (acrónimo de Echelle Spectrograph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) é um espectrógrafo extremamente estável, que irá captar o espectro da luz das estrelas para descobrir planetas rochosos. O aparelho, cujo núcleo terá quatro metros de comprimento por dois de altura, será integrado no Very Large Telescope (VLT), o maior telescópio óptico do mundo, que o ESO construiu no Monte Paranal, no Chile.

O VLT é composto por quatro telescópios de 8,2 metros de diâmetro e outros quatro auxiliares, com 1,8 metros. O Espresso vai reunir a luz visível captada pelos quatro grandes telescópios, para observar as estrelas. Para isso, terá de se construir um subsistema de componentes ópticos que levam a luz dos telescópios até ao espectrógrafo ao longo de dezenas de metros, num túnel subterrâneo. Portugal irá fabricareste subsistema, chamado coudé train.

"O Espresso vai funcionar em dois modos diferentes", diz-nos Alexandre Cabral, especialista em óptica do Centro de Astronomia e Astrofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a outra instituição que integra o grupo português do consórcio. "Num dos modos colecta-se a luz dos quatro telescópios, no outro o espectrógrafo escolhe [a luz] só de um telescópio", explica o cientista. Há muita concorrência por parte de várias equipas com projectos de investigação diferentes na utilização do VLT e, deste modo, o espectrógrafo pode utilizar qualquer telescópio disponível. Com este instrumento, os astros menos nítidos serão preferencialmente observados por todos os telescópios do VLT, que receberão assim quatro vezes mais de luz.

O subsistema a cargo de Portugal terá dez peças complexas de prismas e lentes. A equipa já fez os desenhos das peças, agora está à procura de empresas para as construir. O objectivo é que percam o mínimo de fotões possíveis da luz que vem dos telescópios.

15 milhões de euros

É esta luz, vinda das estrelas, que o Espresso irá captar. O aparelho será colocado num compartimento que ficará em vácuo, com a temperatura controladíssima, para ser o mais estável possível. "A sua precisão é dez vezes superior à do Harps [o espectrógrafo da geração anterior, utilizado desde 2003]. Com o Espresso, pela primeira vez, teremos capacidade de detectar planetas como a Terra, que estão na zona habitável", explica Nuno Santos. Ou seja, planetas com o tamanho da Terra, à distância suficiente da sua estrela para poderem ter água líquida.

Tanto o Harps como o Espresso utilizam a técnica das velocidades radiais, que permite identificar planetas à volta de estrelas. A força gravítica do planeta a orbitar uma estrela faz com que ela oscile. Vista da Terra, esta oscilação significa que a estrela se afasta e se aproxima ciclicamente. Apesar de esta diferença ser uma distância mínima, traduz-se numa pequena alteração na luz da estrela que chega até nós. Os dois espectrógrafos conseguem ler esta alteração, mas o Harps só consegue detectar planetas do tamanho da Terra se estiverem próximos da sua estrela.

Para o ano, o coudé train vai começar a ser construído. A reunião que termina nesta quinta-feira é importante para decidir aspectos relativos à óptica, à mecânica e electrónica. Mas a parte científica também é importante. O consórcio terá de aproveitar o melhor possível as 270 noites para fazer ciência. Este número é o que o ESO oferece ao consórcio por construir o aparelho. "É como se pagássemos de repente 15 milhões de euros", explica Nuno Santos, referindo-se ao preço total do Espresso. Portugal terá de investir um milhão de euros, vindos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, na construção do coudé train.

Os cientistas terão de decidir quais serão as estrelas que o Espresso irá observar. Se vão ser astros como o Sol ou anãs vermelhas. Por outro lado, o número de vezes escolhido para se observar cada estrela vai limitar a quantidade de sóis que poderão ser analisados. Nuno Santos estima que serão cem estrelas: "Mesmo que se descubra apenas um planeta como a Terra e que esteja à distância da sua estrela para ter água líquida, será extraordinário."

Sugerir correcção
Comentar