O oitavo passageiro

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A cena da barriga, John Hurt em fundo, de Alien

E às primeiras imagens, Alien, como os astronautas da Nostromo, parece também um filme a acordar. Para o medo. Isto foi em 1979, ano de A Ninhada, de David Cronenberg, três anos antes de Veio de Outro Mundo, de John Carpenter, outros momentos de uma magnífica crise que rasgou a estabilidade figurativa das personagens, dotou o ecrã de vida imprevisível, fez o espectador sentir-se "ocupado".

Alien continua silenciosamente à procura do medo - desde 1979 - e continua a haver espaço para ele germinar. É o que espanta no meio da cacofonia de hoje: o silêncio de Alien, o Oitavo Passageiro.

Terá sido uma "tempestade perfeita": uma história de Dan O'Bannon, que queria fazer com terror o que fizera com a comédia em Dark Star (1974), de John Carpenter (Carpenter, que coreografara silenciosamente Assalto à 13ª Esquadra, em 1976, pode ser então um espectro aqui); a frieza gótica dos desenhos de Hans Rudolf Giger, que definiram o edifício visual do filme; os efeitos especiais de Carlo Rambaldi; Ridley Scott - teremos de chamá-lo, até porque se se interessou sobretudo pelos fumos, pelo look, preparou-se de forma hithcockiana (influência assumida), deixando espaço para o espectador imaginar sozinho o que não estava a ser mostrado; Walter Hill, que mexeu no argumento de O'Bannon e ao que se sabe mexeu no nome das personagens, chamando-lhes, concisa e magnificamente, Dallas, Ash, Kane ou Ripley, nomes de western de série B; por falar neles: o tensíssimo cast, Tom Skerritt, Sigourney Weaver, Veronica Cartwright, Harry Dean Stanton, John Hurt, Ian Holm, Yaphet Kotto, sentiu-se abandonado pelo realizador, Scott justificou-se, terá sido de propósito para o filme ser ocupado pela tensão, o que quer que seja as arestas ficaram por limar e começava o medo do espectador nessa dificuldade em decifrar uma interioridade (humana) nesse huis clos no espaço, nessa recusa em corresponder a obrigações figurativas.

Trinta e três anos depois, quando se estreia Prometheus, os efeitos da normalização são os de terra queimada. Um alien caído na terra, hoje, perceberia o que aconteceu aos humanos entre 1979 e 2012 no território do cinema mainstream. A diferença entre Alien e Prometheus começa por ser a medida de um desastre civilizacional: um filme deixou de ser uma narrativa para o espectador navegar e descobrir e passou a ser um caderno de encargos a cumprir para o espectador fazer dele um blockbuster.

Prometheus acumula referências em vez de dialogar com elas: 2001, Alien ou Veio do Outro Mundo - o robô de Michael Fassbender, voz do Hal do filme de Kubrick e ares de Peter O'Toole e do Bowie fase Thin White Duke, acaba com a cabeça decepada a falar, tal como Ian Holm no Alien, mas entre um e outro está o que separa uma figura espessa dos maneirismos de uma metafísica em modo design; ainda, a "cena da barriga", revista mas nunca transformada.

Depois, a tentativa de um golpe final: tomar posse de uma história figurativa, colocar-se no princípio das coisas, como se quisesse justificar aquilo que, por ausência de personalidade criativa e por oportunismo, acumulou. Sem trepidação, sem carisma - como o cast.

A solidão, o individualismo e o medo do espectador foram mandados às urtigas neste século XXI. O desejo e os corpos também. É qualquer coisa da ordem da castração. Temos responsabilidade nisso: o que fizemos ao oitavo passageiro que estava em nós? Enquanto a Nostromo continua a navegar no medo, chega Prometheus. Acaba de estrear e está já datado - é de hoje, é para hoje, assim não teremos futuro.

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