Portugal pode cumprir Quioto sem licenças de CO2 que custaram milhões

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Renováveis ajudaram o país a reduzir emissões de CO2 nos últimos anos Paulo Pimenta

Portugal poderá não necessitar dos créditos de CO2 que comprou, por dezenas de milhões de euros, para compensar parte dos gases com efeito de estufa que as suas fábricas e automóveis lançam para o ar.

Os dados mais recentes sobre as emissões mostram que o país está no caminho para cumprir o Protocolo de Quioto com relativa facilidade.

O último inventário nacional, concluído em Abril, mostra que as emissões em 2010 somaram o equivalente a cerca de 70 milhões de toneladas de CO2 - o valor mais baixo desde 1996. As emissões subiram 16,8% desde 1990, quando o país pode, segundo Quioto, chegar aos 27% de aumento.

O protocolo - assinado em 1997 e que vincula os países desenvolvidos que o ratificaram a reduzirem as suas emissões - tem de ser cumprido ao longo de cinco anos, entre 2008 e 2012. Na prática, a soma das emissões nesses anos é que tem de ser comparada com cinco vezes o valor do ano-base, que para a maior parte dos países é 1990.

Para Portugal, isto significa que, em cada um dos anos entre 2008-2012, poderiam ser lançadas para o ar cerca de 76,4 milhões de toneladas de CO2, em média. Em 2008, o valor ficou acima da marca, com 77,6 milhões de toneladas. Mas em 2009 e 2010, as emissões caíram para 74,3 e 70,0 milhões de toneladas.

O país tem, para já, um saldo de 7,2 milhões de toneladas em relação à média, quase o mesmo daquilo que o Fundo Português de Carbono se comprometeu a comprar, em créditos de emissões, para o caso do resultado ser, ao contrário, deficitário.

O fundo, criado em 2006 com esta finalidade, tem contratos assinados no valor de 126 milhões de euros, que garantem créditos de emissões equivalentes a 7,6 milhões de toneladas de CO2 até 2012. Até agora, já foram entregues e já estão na conta-corrente carbónica do país 5,3 milhões de toneladas.

Com isso, não só Quioto já não é problema, como, na hora de se fazerem as contas, podem efectivamente sobrar créditos. "De facto, hoje estamos praticamente com o compromisso de Quioto assegurado", afirma o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, completando que "o cenário de cumprir Quioto sem o Fundo Português de Carbono é possível".

A situação ainda pode ser revertida, se as contas das emissões de 2011 e 2012 ficarem acima de 80 milhões de toneladas em ambos os anos - valor que não se observa desde 2006.

Quanto a 2011, embora não haja dados definitivos, algumas indicações sugerem que não terá sido um ano dramático. Segundo o índice E.Value - calculado por uma empresa de consultoria para aferir o comportamento das emissões no país -, a situação era favorável nos sectores dos transportes e da produção de electricidade, dois dos principais contribuintes para o balanço nacional de CO2.

No primeiro caso, as emissões caíram 12,9% em relação a Dezembro de 2010, em grande parte pelo menor consumo de combustível, devido aos preços elevados e à crise. Na produção eléctrica, houve um aumento de 18% nas emissões em 2011, mas contra uma queda 29% no ano anterior. Ou seja, com as renováveis em força, o saldo ainda foi mais baixo do que quando iniciou o período de cumprimento de Quioto.

Já em 2012, os primeiros meses revelam que as emissões não estão a subir tanto quanto seria de se esperar num ano seco - com pouca produção hidroeléctrica. "Só não subiu mais porque a importação de electricidade no primeiro trimestre foi muito grande", explica Rui Dinis, da E.Value. Ao se importar electricidade, as emissões são contabilizadas no país que a produz, e não em Portugal.

O presidente da APA chama a atenção, no entanto, para outros factores de risco que podem complicar o caminho de Quioto, como os fogos e a utilização da reserva de licenças do sistema de comércio de emissões, que está guardada para eventuais novas instalações industriais.

O maior ponto de interrogação está em como será contabilizada a contribuição das florestas e da agricultura como "sumidouro" de carbono - algo que ainda não está definido a nível internacional. "Nesta fase, o maior risco é o risco metodológico do cálculo dos sumidouros", diz Nuno Lacasta. Por isso, completa Lacasta, "o Fundo Português de Carbono continua a ser utilizado como uma garantia".

Se tudo correr bem, o país cumprirá Quioto só com o esforço interno, mas ficará com 5,3 milhões de toneladas de CO2 em licenças nas mãos, sem uso imediato. Segundo Nuno Lacasta, parte das licenças pode ser guardada para um segundo período de cumprimento de Quioto, que está a ser discutido internacionalmente. Mas o próprio Fundo Português de Carbono deverá ser reorientado, possivelmente ampliando outras funções que já cumpre, como a de financiar projectos de baixo carbono em Portugal.

Uma coisa parece certa: vender as licenças - contrariando o slogan do Fundo Português de Carbono, que é we buy - será mau negócio. As compras até agora foram feitas a um preço médio 10,7 euros por tonelada de CO2. A cotação tem, no entanto, caído a pique e está agora em 6,5 euros/tonelada para as licenças transaccionadas entre países desenvolvidos e 3,4 euros/tonelada para aquelas que provêm de projectos em países em desenvolvimento.

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