"Meu Caro Amigo Chico" é um jogo amigável com Buarque

Canções e versões, fintas, parcerias e pontos de contacto. O documentário musical tem ante-estreia marcada para o IndieLisboa

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“Aqui na terra tão jogando futebol/ Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll/ Uns dias chove, noutros dias bate sol/ Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta”.

Desta vez não foi Chico Buarque a escrever uma carta dirigindo-se ao lado de cá. Desta vez foi o lado de cá que resolveu retribuir “Meu caro amigo” — e principalmente “Tanto mar”, um recado que Chico gostava de ter cantado em Portugal, após a revolução dos cravos — e tentar saber como vai afinal a vida do lado de cá.

“Meu Caro Amigo Chico”, com ante-estreia marcada para o dia 6 de Maio, em pleno Festival IndieLisboa, “é uma metáfora” e “é a realidade”, explicaram ao P3 Joana Barra Vaz e Maria João Marques, argumentistas (juntamente com Rui Pires) de um documentário musical feito do lado de cá trinta e muitos anos depois do 25 de Abril.

Elas não sabiam bem o que queriam. Mas sabiam que tinham saudades de o ouvir cantar. “Percebemos que havia ali qualquer coisa. Estava algo por contar, existia um conjunto de dúvidas, uma semente esquecida”.

Meu Caro Amigo Chico” é um documentário musical em forma de carta. São duas horas com “Meu caro amigo” e com as duas versões de “Tanto mar”, com entrevistas, canções e futebol a sério (mesmo a sério, num campo de futebol de sete, em Oeiras: de um lado a equipa da casa; do outro “os cariocas”, com Chico Buarque, assistentes de produção e um ou dois cameos de Vinicius França). E com “uma forte contextualização do 25 de Abril através da música” com uma equipa de músicos “que podia nunca mais acabar”, como sugere a realizadora Joana Barra Vaz, 31 anos, que começou a fazer contas à convocatória em 2005, quando assistiu à "Ópera do Malandro", na Figueira da Foz.

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Roda de Choro de Lisboa DR

O treinador Sérgio Godinho

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Sérgio Godinho DR

“Queríamos algo que puxasse o Chico para Portugal”, comenta a realizadora do documentário, cujo texto são letras das canções dos músicos convocados. “Às tantas o projecto transformou-se numa espécie de rizoma”, sugere Joana Vaz. “É a repercussão de uma geração que está a produzir coisas”, completa Maria João Marques, 29 anos.

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Joana Vaz e Maria João Marques DR

Na equipa da casa está JP Simões (“1970” e “A marcha dos implacáveis”), os Ornatos Violeta (“Ouvi dizer”), Bernardo Barata (“Desperdício” e “Ninguém dá por nada”) e Foge Foge Bandido (“Ninguém é quem queria ser”), estão os projectos Senhoras de Alfama (“Alfama não envelhece”), Couple Coffee (“Sambinha cliché”) e Real Combo Lisbonense (“Valério”). Está um “grandessíssimo novelo difícil de editar” de “estilos diferentes, cujo ponto de contacto é Chico Buarque”. E está Sérgio Godinho (“Só Neste País”). “Ele fez a ponte e influenciou esta geração. Acabou por ser o treinador da nossa equipa”, diz Joana Vaz.

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Durante os últimos anos, a equipa de produção perdeu a conta às versões e interpretações de músicas, às histórias que se cruzavam, aos recados Brasil-Portugal e às respostas de volta. “Não tínhamos noção que havia uma falta de colaboração entre as bandas. Alguns músicos só se conheceram pessoalmente no dia do jogo”. Em Oeiras. Equipados a rigor. “Não percebíamos nada de bola, mas tivemos muitos consultores futebolísticos”, explica Joana Vaz, a selecionadora.

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O futebol fazia todo o sentido. Porque estamos a falar de uma carta luso-brasileira. Porque Chico Buarque gosta tanto de jogar à bola como de tocar viola. “Porque o futebol é menos intelectual, mais informal e ajuda a potenciar o encontro pelo encontro”, justifica Maria João. “A metáfora, a criação artística, faz sentido”, confirma Joana Vaz. “O documentário é uma rede de possibilidades, um jogo amigável...”

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Samba e Troika

Pode dizer-se que “Meu Caro Amigo Chico” começou com o 25 de Abril, com “Tanto mar” ou com aquela "Ópera do Malandro" na Figueira da Foz. Ou com a Troika, que apanhou o documentário na forja. “No final do ano passado percebi que as pessoas falavam sobre a crise. Foi um bocado de futurologia. A crise estava nos jornais todos os dias”.

“Aqui na terra tão jogando futebol/ Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll/ Uns dias chove, noutros dias bate sol/ Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta”.

E aqui na terra? “Vai mal. Mas também vai bem, temos a capacidade do safanço”, responde Joana. “A crise é uma desculpa para fazer canções. Já potenciou a criação de metáforas. E ajuda a unir esforços”, responde Maria João. “Meu Caro Amigo” é “a estrutura de argumento”, é “uma excelente sinopse do filme”.

“O filme não é sobre o Chico. É sobre nós. As personagens principais estão na nossa equipa”.

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