O Nobel contra a política de austeridade vai ser homenageado por três universidades

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Discurso de Krugman na segunda-feira vai ser sobre a economia na crise Tim Shaffer/Reuters

Para quem nos Estados Unidos se assume como "liberal" e procura argumentos contra a linha "conservadora" na política económica, a leitura da coluna semanal de Paul Krugman no The New York Times tornou-se, nos últimos anos, num momento indispensável.

Agora, também na Europa, desde que a crise soberana do euro começou, os textos do economista norte-americano passaram a ser uma referência para quem se opõe à ideia, defendida por uma parte importante da elite económica e aplicada pelos seus líderes políticos, de que é cortando os défices públicos rapidamente e em força que se vai conseguir recuperar a confiança dos mercados e, assim, sair da crise.

Paul Krugman, que em 2008 conquistou o prémio Nobel da Economia e esta segunda-feira vai receber dos Reitores das Universidades de Lisboa, Técnica de Lisboa e Nova de Lisboa o grau de Doutor Honoris Causa, defende que a política de austeridade que está a ser aplicada na zona euro arrisca-se a colocar o continente perante um cenário idêntico ao da Grande Depressão dos anos 30. Como é seu hábito, o economista não poupa nas palavras e não hesita em apontar o dedo àqueles que vê como os culpados.

"Alguns países estão a enfrentar um sofrimento semelhante ao da Grande Depressão: Grécia e Irlanda com quedas do produto de dois dígitos, a Espanha com 23% de desemprego, o Reino Unido com uma contracção económica mais longa do que nos anos 30. Pior ainda, os líderes europeus - e muitos dos players mais influentes - ainda estão enamorados pela doutrina económica responsável por este desastre", escreveu na sua coluna do fim-de-semana passado, precisamente dedicada à situação europeia.

Nos seus textos, Krugman tem alertado, de forma repetida, para as "provas históricas" que apontam para o fracasso da política de austeridade europeia. Defende que a austeridade empurra as economias para uma recessão e que, por isso, acaba por prejudicar os próprios défices públicos, impedindo que se reconquiste a confiança dos mercados. E diz que a única solução é a Europa, especialmente a Alemanha, aceitar um período de inflação mais elevada, que ajude os países periféricos, com tempo, a reconquistar a competitividade perdida.

Aos economistas que defendem a austeridade, diz, sem piedade, que estão a ignorar a história. E, por isso, será também interessante ouvir o que Paul Krugman dirá nesta segunda-feira a uma plateia onde estarão alguns dos mais conhecidos economistas portugueses, num discurso precisamente intitulado Economia na Crise. "Os problemas foram-se tornando muito piores pela forma como os líderes europeus, e mais genericamente pela elite que define as políticas, substituíram a análise pela moral e as lições de história por fantasias", escreveu recentemente Krugman.

Ainda assim, se em relação ao que têm feito os principais líderes políticos europeus e ao que defendem os economistas em que aqueles se inspiram, Paul Krugman não tem quaisquer contemplações, já no que diz respeito aos políticos dos países periféricos, o prémio Nobel mostra uma certa compreensão, admitindo que, no actual cenário, estão praticamente de mãos atadas.

Ontem, poucas horas antes de partir para Portugal e provavelmente depois de ter renovado os seus conhecimentos sobre o país, Krugman escreveu no seu blogue que os países periféricos caíram numa "armadilha", forçados pelos credores a aplicarem a receita da austeridade em troca do apoio financeiro de que precisam para evitar a falência. "Se me colocar no papel de primeiro-ministro de um desses países, o que é que poderia fazer? Temo que pouco mais do que apelar à troika para tornar as exigências de austeridade menos severas, tentar aquilo que for possível para acelerar a melhoria da competitividade (o que não é muito) e esperar que as coisas fiquem gradualmente melhores por via da "desvalorização interna" ou que fiquem piores e criem o ambiente económico e político em que uma saída do euro se torna uma possibilidade real", escreve Krugman, reconhecendo que não há, neste caso, "balas mágicas".

Para o economista, dizer que não à troika e assumir unilateralmente um default não resolveria o problema da falta de competitividade e continuaria a exigir um aperto orçamental, uma vez que estes países ainda apresentam défices primários. Já quanto a sair do euro, embora impulsionasse a competitividade, criaria perturbações muito graves no imediato, o que, para Krugman, faz com que seja quase impossível um Governo dar esse passo, a não ser que não tenha mesmo quaisquer outras alternativas.

Quando é que este último cenário será verdadeiro para os países periféricos? Krugman prevê que "muito cedo para a Grécia, mas não para outros". Provavelmente, na visita que faz durante estes dias a Lisboa, vai aproveita para avaliar, no local, quanto tempo sobra de política de austeridade a Portugal para ficar sem outro caminho que não seja o regresso ao escudo.

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